segunda-feira, 13 de agosto de 2007

O ESTIGMA DO BATMAN


_____Eu era muito criança quando vi pela primeira vez aquela figura humaniode trajado de morcego e escondendo-se em sua capa. Tudo bem que sua capa era azul, naquele momento, pois, como sou da primeira metade dos anos 80, peguei uma fase interessantíssima de transição, em que todos os personagens estavam passando por mudanças em suas configurações e Neil Adams direcionava o velho morcego para o que chamaríamos de “Crise”, sua história seria recontada pelo Frank Miller em sua obra canone “O Cavaleiro das Trevas”. Isso ainda nem fazia-se como fato em minha cabecinha infantil.
_____Eu só via naquela figura uma certa paternidade desencontrada, acredito, já que a sua vivência do mundo (um mundo fictício muito semelhante a realidade mas com suas peculiaridades que naquele período em nem imaginava existir). Eu queria aprender com ele para viver naquele mundo, que para mim era o mesmo que este. As cores e as ações altruístas de grandes seres mitológicos representados em desenhos e vivos nas sequencias de seus quadrinhos era tudo que eu precisava para me sentir vivo, ou melhor, para me sentir um igual.
Será que eu acompanhava aquelas figuras fantásticas por que no fundo existiam nelas coisas que eu tinha em mim ou, por não fazer idéia, tudo aquilo estava de alguma maneira moldando a minha personalidade? A resposta parece seguir óbvia por um lado, mas o lado contrário mantém uma certa verdade incontestável. Complicado nessa etapa da vida tentar definir o que aconteceu, já que a mitologia dos quadrinhos e essas criaturas além da realidade já faziam e fazem parte de mim de uma maneira que a separação é praticamente impossível.
_____De certa forma eu me formei enquanto pessoa, cidadão, ser humano, com esses seres não-humanos mas muito mais humanos que os seres humanos que me cercam até hoje. Na busca de uma resposta para qualquer coisa sei com exatidão que tudo isso corresponde a noção de valores que esses meus amigos de papel e suas histórias fabulosas sempre me trouxeram, seja de um modo simplista e infantil, seja com a seriedade de uma narrativa policial ou psicológica. São valores que, correspondendo aos que já havia acumulado ou simplesmente absorvido, hoje fazem parte de minha personalidade ao ponto de quase não ser exagero dizer que sou um personagem de quadrinhos perdido no mundo real.
_____Acima de tudo isso, aqueles quadrinhos me passaram valores reais, do meu mundo real, de acontecimentos históricos a tendência, foi por eles que eu compreendi primeiramente o mundo. Praticamente foram os quadrinhos que definiram minhas visões de mundo e nortearam as minhas escolhas profissionais e me apresentaram os anos 80 que vive e logo em seguida me apresentaram os anos 90 e continuam me mostrando de forma prazerosa essa minha realidade.
_____Meu pai morcego está presente em todo esse aprendizado. Primeiro com suas cores azuis e suas longas cenas de ação individual, quase solitária, se não fosse a minha invisível presença acompanhando atentamente seus passos e atitudes e chegando a um nível onírico de ler em linhas seus pensamentos. Foram suas falas e pensamentos que me ensinaram com exatidão a ler além dos muros da pequena escola no Jardim Cruzeiro. Foram as representações de sua figura que me ensinaram a desenhar sua anatomia e suas sombras. Foram suas indagações que fomentaram o meu pensamento crítico. Batman me ensinou a ser um homem, mesmo quando eu ainda era um menino.
_____Suas conversas explicativas com o seu parceiro, Robin, foram quase que direcionadas a mim. A função inicial do Robin, o mais marcante sidequick, era a de ouvinte dessas formulações da ação, que deveriam ser quase que sempre introspectas mas ganharam espaço enquanto explicação ao seu discípulo. Na mesma sala de aula que Robin aprendia a ser um Batman eu aprendia a ser uma pessoa melhor que poderia se estivesse à deriva desde a infância. Essa construção de valores é necessaria a todos os seres humanos, como referências familiares, sociais, comunitárias. O ser humana precisa se sentir parte de algo, fazer parte de alguma coisa para construir a sua personalidade e existir enquanto ser social. Eu tive a ajuda dessas obras em qaudrinhos para isso.
Hoje, eu e meu paternal amigo morcego comemoramos a vida e o aprendizado. Que o sofrimento seja sempre algo de útil e que a tristeza seja sempre temporária.