quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Ninguém Conhece o Capitão América

Capitão América

É extremamente doloroso perceber o quanto que o mundo dito acadêmico está enraizado na tendência pré-conceituosa daquilo que, bastante praticado pelos pseudo-cientistas, chamaremos de “achismo”. Tudo que é visto superficialmente e que pouco teve como se defender dessa tradição preguiçosa desses falsos pesquisadores por um longo tempo tiveram suas rotulações aceitas. Um desses elementos é o Quadrinho, sempre tratado com o “achismo” de “instrumento de manipulação de massa”, mas o alvo desse texto é o sempre mal interpretado Capitão América.

Já sinto os pseudo-cientistas inquietos. Não é por menos. Na sua criação, em 1941, para a editora Timely Comics (futuramente chamada de Marvel), o Capitão América foi idealizado como um herói nacional para antagonizar com Hitler, propagando o posicionamento dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Até então esse “achismo” infantil tem fundamento, sua própria origem diz isso. A Guerra funcionou perfeitamente para o personagem, não o contrário, como muitos “achistas” definiriam. Não foi o Capitão América que ganhou a guerra para o povo americano, ele só fez a representação nos quadrinhos do que os Estados Unidos pensava a respeito da guerra.

Mas o personagem, com essa primeira concepção, não durou muito tempo, ficando em bancas por poucos anos. A guerra acabou e o personagem perdeu seu papel no teatro todo. Foi somente nos anos 60, após o “exílio editorial”, que a Marvel (não mais Timely Comics) resolveu trazer essa figura de volta. Porém, aquela maneira tranqüila e o antagonismo simples contra os nazistas não funcionou da mesma maneira contra os comunistas (presentes nessa nova leva de histórias). Era visível, nessa época, a liberdade reflexiva do personagem, pois foi quando o quadrinho introduziu com maestria o balão de pensamento, onde o personagem expressava seu anacronismo e o quanto que as coisas não eram mais tão simples entre vilões e heróis.

Após uma melancólica fase onde o herói pensava exaustivamente sobre seu papel nesse novo mundo (o período em que ficou fora das bancas, no fim dos anos 40 até os anos 60 foi definido como o período em que o personagem ficou congelado por um ato de vilania sendo ressuscitado pelos novos heróis, os Vingadores), o Capitão América enfrentou mais uma situação difícil: A Marvel introduziu em suas revistas, pela primeira vez, um evento político real, o Impeachment do presidente Richard Nixon. Foi então que o Capitão América perdeu toda a credibilidade que tinha nos Estados Unidos. Largou o uniforme azul, vermelho e branco e começou a rodar, com a identidade de Nômade, por todo o oeste americano assistindo problemas e misérias do povo. Novamente utilizando o uniforme tradicional (a bandeira), o Capitão América viu, na segunda metade dos anos 70, uma Nov York cheia de problemas sociais. Com sua mentalidade dos anos 40, teve que entrar em espetaculares diálogos com o personagem Falcão (super-herói negro, com sua origem suburbana, morador do Harlen, conhecido bairro carente da grande maçã), aprendendo mais sobre a realidade americana tão diferente de seu idealizado passado. “Capitão, os tempos são outros...”, diziam seus colegas super-heróis. É fato dizer que o personagem manteve uma postura mais humilde, trabalhando como desenhista free-lance para revistas e jornais, ganhando pouco, muito diferente do mesmo personagem que nos anos 40 era protegido pelo exército.

Negou uma proposta de candidatura a presidência nos anos 80 e enfrentou ainda mais problemas internos de uma minoria americana, sendo que foi nessa fase, junto a seu companheiro Falcão, que o Capitão defendeu os direitos civis, como a igualdade étnica e respeito à homossexualidade (tenho as revistas que comprovam isso, pseudo-intelectuais que estão duvidando). Após isso veio uma fase mais branda, nos anos 90, que tentou dar um ar mais “americanóide” ao personagem, mas foi pessimamente recebido pelos leitores, comprovando que o Capitão América “imperialista” não fazia mais parte dessa realidade histórica. Voltando, na segunda metade dessa década, a ser o personagem mais próximo da política interna americana. A queda das Torres Gêmeas jogou o personagem contra o Terrorismo, mas também o fez pensar o modo em que seu país estava agindo, criticando-o.

Assim, o Capitão América foi, sem dúvida, totalmente contrário ao modo tradicional de se pensar seu papel como garoto-propaganda do imperialismo americano. Recentemente, o personagem se envolveu numa briga medonha contra seu governo, sendo acusado de traição e perseguido pelo exército e por alguns companheiros de outrora. Tudo para defender a liberdade individual e demonstrar um desgosto ao governo vigente, pois os Estados Unidos (no mundo ficcional da Marvel) obrigou por lei federal que os Super-Heróis sejam agentes do governo. O Capitão se posicionou contra. O desfecho da polêmica história é a sua morte, assassinado pelo mesmo país que veste em seu uniforme.

O “achismo” não serve de nada para pesquisadores em História, pois apenas mantém o freio pisado quando falamos de avanço intelectual. Ou seja, definir as coisas sem conhecer é extrema burrice. Como disse Chico Castro Jr, em matéria ao jornal A TARDE de 4 de agosto, contextualizar é preciso. E conhecer aquilo que se critica, mais ainda”. Tenho dito.


Excelsior, Sávio Roz