sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O quê que DC e Marvel têm (de diferente)

O quê que DC e Marvel têm (de diferente)15. 11. 2012
Quadrinhos
Nos anos 1990, os heróis das duas editoras chegaram a se enfrentar e até a se mesclar em edições especiais
Por Marcelo Rafael
 
Os super-heróis têm voado para longe dos quadrinhos, ganhando cada vez mais destaque nos cinemas, graças à qualidade dos efeitos especiais e ao bom tratamento dos personagens dado pelos roteiristas.

Com o sucesso de filmes como Vingadores e X-Men, o público aguarda ansioso pela filmagem de Liga da Justiça. Mas, em geral, quem não acompanha os quadrinhos não consegue entender por que o Superman não pode estar nos Vingadores ou por que Tempestade e Mulher-Maravilha não são amigas. Ou seja, não compreendem que os personagens pertencem a duas editoras diferentes, grandes rivais nos EUA: Marvel Comics e DC Comics.

“Obviamente, alguns não entendem os mercados, [não entendem] que existem duas empresas grandes que estão disputando”, comenta Sávio Roz, historiador e pesquisador de história em quadrinhos, com vários artigos sobre as duas editoras norte-americanas.

Na hora da avaliação desses filmes, quem dá o veredito, especialmente entre os amigos, é o fã-leitor. “O cara que vai só se divertir [no cinema] entende quem é o Homem-Aranha, percebe que o fã se empolga com o filme e esse fã acaba virando um ‘farol’ para o resto da turma”, comenta.

Ao contrário de muitos leitores brasileiros que passam por Turma da Mônica e Disney, Roz foi um leitor que, na infância, pulou direto para os super-heróis, puxado pelo desenho clássico dos Superamigos, da década de 1980.

Ele só percebeu que havia dois "universos" diferentes quando foram publicadas as maxissagas marcantes de DC e Marvel nos anos 1980: Crise nas Infinitas Terras e Guerras Secretas. Até então, o máximo que ele notava de diferente era que havia grupos como X-Men e Liga da Justiça. "Essas duas minisséries foram importantes pra eu ter consciência de que havia duas editoras", conta.

Algumas diferenças entre Marvel e DC são bem básicas, como a designação dos heróis. Na Marvel, por exemplo, os poderosos dos X-Men são chamados de mutantes. Na DC, a designação para os super-heróis, em geral, é “meta-humano”.

A origem dos poderes, no entanto, varia muito de personagem para personagem em ambas as editoras. “Tanto na DC quanto na Marvel existem heróis e vilões com poderes de origem mística, alienígena, mutante”, afirma Bernando Santana, editor sênior da DC Comics no Brasil.

“Na Marvel, os seres superpoderosos têm (e sempre tiveram) uma abordagem mais pé no chão, enquanto na DC, pelo menos no que diz respeito aos personagens mais icônicos, os heróis ainda têm uma natureza um pouco ‘divina’”, completa Santana.

Essa abordagem mais “próxima da realidade” também se reflete nos locais onde os personagens atuam. “A Marvel usa mais cidades reais – tradicionalmente Nova York – na maior parte das vezes. Já a DC tem cidades fictícias bastante consagradas, como Metrópolis, Gotham City, Central City, Coast City”.
 
As diferenças podem ser vistas também nas cidades em que as histórias se passam

À medida que se conhece um pouco mais dos personagens, as diferenças se aprofundam. Saiba um pouco mais como cada uma das duas editoras lida com algumas questões:
 
Marvel DC Comics
Multiverso Marvel
Versões alternativas inventadas pelos roteiristas deram origem a mundos paralelos. Heróis com cara de porco habitam o Larval Earth – Terra 8311. Personagens com suas histórias recomeçadas do zero, com novas origens, vivem na Terra 1610, do Universo Ultimate.
Uma superequipe que explorou bem vários universos paralelos (não necessariamente com nomes), cruzando dimensões, foram os britânicos do Excalibur, durante as décadas de 1980 e 1990. Mais detalhes sobre o Multiverso Marvel você pode encontrar aqui.
Multiverso DC
Alguns dos maiores heróis da editora, como o Superman e o Batman, existem desde a década de 30. Para que eles não envelhecessem com o tempo, os personagens originais (incluindo o primeiro Lanterna Verde, Alan Scott, que usava uma longa capa, e o primeiro Flash, que usava um chapéu com asinhas) foram jogados na Terra Paralela, em um universo diferente do nosso. Desde então, surgiram muitas outras Terras: Terra X; Terra 3, Terra S, etc. Nos anos 1980, a odisseia Crise nas Infinitas Terras tentou botar ordem na bagunça, acabando com várias delas. Não teve jeito: nas décadas seguintes, pontas soltas e criações de roteiristas deram origem a mais dimensões, e novas odisseias tentaram reorganizar tudo, sem sucesso.
Alienígenas Marvel
Os E.T.s não são tão presentes na Marvel quanto na DC. Mas, entre os que se destacam, estão os heróis Capitão Marvel e Surfista Prateado e os vilões Thanos e Galactus. O “uniforme preto” do Homem-Aranha era, na verdade, um alienígena que ele encontrou na Lua. Os aliens do império intergaláctico Shiar também tiveram importante papel nas histórias dos X-Men. Os Skrulls são uma raça de metamorfos que invadiu a Terra, causando muitos problemas aos heróis.
Alienígenas DC
O principal personagem da editora é um dos alienígenas mais famosos do mundo: o kryptoniano Superman. Além dele, há sua prima, a Supergirl. Há também o marciano Ajax, o thanagariano Gavião Negro e o czarniano Lobo. As Tropas de Lanternas Verde, Vermelha, Azul e Amarela são quase totalmente extraterrestres. “Como dá pra ver, a DC explora um pouco mais esse aspecto” afirma Santana.
Locais imaginários Marvel
A editora costuma usar cidades do mundo real, como Nova York (onde vivem X-Men e Homem-Aranha), mas alguns locais saíram da cabeça dos editores. Nas histórias dos X-Men, a Ilha Muir é um centro de pesquisas e Genosha, um país escravizador de mutantes. Doutor Destino é o ditador do país europeu Latvéria, enquanto Namor é o senhor de Atlântis, no Atlântico Norte. Wakanda é um reino do leste africano e Terra Selvagem é um pedaço da Antártica onde os dinossauros sobreviveram.
Locais imaginários DC
Metrópolis e Gotham City são os locais fictícios mais conhecidos da DC, lar de Superman e Batman, respectivamente. Ambas começaram como uma referência direta a Nova York, mas logo se concretizaram nas duas cidades que conhecemos hoje.
Personagens gays Marvel
Desde que o tema de gênero passou a fazer parte dos quadrinhos, uma editora quis sair à frente da outra com a retirada de personagens do armário. Apesar de Estrela Polar ter se casado apenas neste ano, ele já foi pensado como um homossexual desde sua criação, na década de 1970. Entram na lista Colossus, do universo Ultimate, cowboy Billy Blue, Arco-Íris e os namorados adolescentes Wiccano e Hulking.
Personagens gays DC
Após o anúncio do casamento de Estrela Polar, a DC avisou que um de seus principais personagens também era homossexual. Boatos rolaram sobre Batman, mas quem acabou sendo tirado do armário, este ano, foi o primeiro Lanterna Verde, o da década de 1930, que vive na Terra Paralela (como mencionado no  item “Multiverso DC”). O sombrio John Constantine é outro nome gay. A Batwoman namora a policial Renée Montoya. A ex-capitã da polícia de Metrópolis, Maggie Sawyer, também é lésbica.
Mitologia Marvel
Ambas apelam para heróis de outras eras ou mesmo para deuses. Na Marvel, os principais são Thor e todo o panteão de Åsgard. “A Marvel tem uma tradição na literatura inglesa, do Romantismo do século XIX”, explica Roz. “Ela tem uma tradição de explorar mais os aspectos humanos de seus heróis, mesmo eles sendo capazes de levantar um prédio com uma mão”, completa Santana.
Mitologia DC
A principal heroína da editora foi criada do barro pelos deuses do Olimpo: a Mulher-Maravilha é uma princesa amazona que vivia em uma ilha chamada Themyscira. Para Roz, a tradição grega também se confirma na essência dos personagens da DC. “Eles são intocáveis, são o suprassumo da moral e da ética”, comenta, traçando o paralelo com os deuses helênicos.
 
Um dos motivos que contribui para a confusão entre as duas editoras no Brasil é o fato de terem sido publicadas pela mesma empresa por muito tempo: pela Abril nos anos 1980/90 e, atualmente, pela Panini. Mas, para Roz, isso também é bom para os fãs, que só ganham com a rivalidade lá fora que não se repete aqui dentro. “A ‘publicadora’ no Brasil, vamos chamar assim, lança mais material conforme a aceitação do público. Tentam manter um equilíbrio”, analisa.

De um jeito ou de outro, tanto Marvel quanto DC impõem, soberanas, seus personagens e são referência mundial em super-heróis, superando outras editoras. “Estamos falando de duas empresas que sabem muito bem como funciona o mercado, que sabem mobilizar o artista certo, sabem descobrir que autor conquista melhor o público, etc.”, completa Roz.
 
“Tanto na DC quanto na Marvel existem heróis e vilões com poderes de origem mística, alienígena, mutante”
 
  Originalmente publiada em: http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/48864

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A sexualidade dos heróis

HQs abordam mais abertamente a diversidade sexual, tornam-se alvo de protestos de conservadores e estimulam o debate sobre a tolerância

originalmente publicado em: 17/06/2012 - 19h57 - Atualizado em 17/06/2012 - 19h57
A Gazeta - http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/06/noticias/a_gazeta/caderno_2_ag/1278017-a-sexualidade-dos-herois.html

Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
Tiago Zanoli
tzanoli@redegazeta.com.br

Duas notícias no mundo dos quadrinhos deram o que falar recentemente. Uma delas dizia respeito ao casamento de Estrela Polar – o primeiro personagem assumidamente homossexual da Marvel Comics – com Kyle Jinadu. A história será publicada nesta quarta, nos Estados Unidos, no número 51 da revista "Astonishing X-Men". A outra revelou que Alan Scott, o Lanterna Verde original, surgido em 1940, está de volta nas páginas da série "Earth 2", da DC Comics, na qual assume sua homossexualidade. Nos quadrinhos, aliás, ele aparece beijando outro homem.

Inevitavelmente, um grupo conversador cristão chamado One Million Moms (Um Milhão de Mães) protestou contra as duas editoras, alegando ser má influência paras as crianças, que "desejam ser como os super-heróis", imitando suas ações e fantasiando-se com seus uniformes. "Essas empresas influenciam fortemente nossa juventude por meio desses super-heróis, para fazer uma lavagem cerebral e fazê-la pensar que o modo de vida dos gays é normal e desejável. Como cristãos, sabemos que a homossexualidade é um pecado", dizia o grupo, em determinado trecho da carta de repúdio.

Nos Estados Unidos, já se fala em uma fase "rainbow pride" (orgulho arco-íris) nos quadrinhos de super-heróis. No início do mês, em entrevista ao site da revista "The Advocate" (www.advocate.com), o roteirista James Robinson, responsável pela mudança da orientação sexual do primeiro Lanterna Verde (favor não confundir com o famoso Hal Jordan, levado para os cinemas), afirmou que haverá outro personagem gay e que há também possibilidade de mudança de gênero na série "Earth 2" (que é, na verdade, uma realidade alternativa do universo criado pela DC Comics). Esse momento dos quadrinhos pode ter um papel importante na conscientização do público em favor do respeito e da tolerância à diversidade sexual – algo urgente numa época em que se vê, com frequência, várias demonstrações de intolerância, que culminam em agressões físicas de homossexuais ou, pior, assassinatos.

"O impacto mais óbvio é essa reação negativa das mães à inclusão dessa temática nas histórias. Os quadrinhos têm esse histórico de suscitar sentimentos de revolta nos pais, por serem um veículo cujas prerrogativas morais são, em muitos casos, diferente das deles. É um segmento poderoso que se insere no imaginário popular de maneira eficiente, e os conservadores não dominam nem têm tanto poder assim sobre ele. Por isso, sempre haverá protestos contra essas medidas e esse segmento. Por outro lado, o impacto pode ser positivo, se considerarmos os efeitos de conscientização e massificação da luta pelo reconhecimento dos direitos homoafetivos", afirma o artista e pesquisador Ailton Berberick, que é graduando em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e em Artes Visuais, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Berberick, que integra um grupo de estudos sobre arte, cultura e gênero na Uerj, ressalta que nos quadrinhos orientais sempre houve personagens gays e enredos inteiros sobre homossexualidade nas história. "Achei interessante essa proposta da Marvel e da DC, mas minha história como leitor de quadrinhos japoneses e coreanos não faz com que eu me surpreenda". Segundo ele, até pouco tempo atrás, não havia nos quadrinhos debates em torno da diversidade sexual, como agora. "Era como se o mundo dos super-heróis, homens e mulheres extraordinários e louváveis, fosse predominantemente heterossexual. Hoje a diversidade ‘invade’ os quadrinhos e mostra que esses homens e essas mulheres extraordinários e louváveis podem ter as mais diversas orientações sexuais".


Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
O herói Estrela Polar (à dir.), da Marvel, casou-se com o seu companheiro
Tendência

Mestre em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e professor universitário, Attila Piovesan observa que essa onda reflete uma tendência. "Na configuração social atual, a homossexualidade deixou de ser tabu para a maioria das pessoas, o que inevitavelmente gera reflexo em produtos culturais". Estudioso do universo dos quadrinhos (sua dissertação de mestrado abordou a relação entre HQs e literatura), ele observa, contudo, que as editoras de quadrinhos norte-americanas, as maiores responsáveis por publicar super-heróis, há décadas travam uma batalha contra o encolhimento do mercado, o número cada vez mais reduzido de leitores e a falta de renovação do público leitor.

"Um dos fatores apontados para essa ‘crise’ nas histórias de super-heróis foi justamente o de ser um produto focado em um tipo bastante específico de leitor: branco, em fins da adolescência, mas principalmente adulto, do sexo masculino, que já lê quadrinhos há muitos anos. Isto é bastante restritivo, se pensarmos que existem públicos com preferências e elementos de identificação bastante heterogêneos. Por isso, temos vários personagens latinos atualmente nas HQs americanas, assim como maior representatividade de outras etnias e preferências sexuais e mesmo religiosas".

Ou seja, discurso à parte, há também interesses comerciais em jogo, como observa o historiador e professor de história Sávio Roz, de Salvador (BA), que também pesquisa e escreve artigos sobre quadrinhos: "Estamos falando de mercado editorial, de um produto feito para chamar a atenção e vender. E está funcionando perfeitamente. É uma estratégia fantástica. A Marvel trouxe o casamento gay, e em resposta a DC anunciou que um de seus heróis é gay. Escolheram o Alan Scott, que podemos chamar de um personagem de segundo escalão, e não Hal Jordan, o mais famoso. Com isso, não correram o risco de investir numa empreitada malsucedida. Considero a ação da Marvel mais honesta, pois o Estrela Polar é assumidamente homossexual desde a década de 1990".

Sávio diz, porém, que não existe hoje um público homossexual leitor de quadrinhos que surgiu da noite para o dia. Na verdade, ele sempre existiu. "A diferença é que a própria sociedade está mais flexível, e tornou-se mais seguro discursar sobre isso abertamente". Com isso, ressalta, há dois caminhos possíveis. O primeiro é tornar possível a discussão e o diálogo em torno desse assunto. "O caminho perigoso, porém, é a transformação da diversidade sexual em alegoria, adotando clichês e estereótipos, assumindo um tom pejorativo ou mesmo mudando a conduta do personagem. Vejo isso acontecer nos quadrinhos. A reação de parte do público é risonha, especulando que será o próximo super-herói a ‘sair do armário’. Com isso, estamos ridicularizando o próximo".

Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
Meia-Noite (à frente) e Apolo, da série “The Authority”, também são gays
Conceito

O ilustrador Jean Froes, que já desenhou para histórias da Mulher Maravilha e do personagem Cyborg, da DC Comic, e foi arte finalista de X-Factor, para a Marvel, tem algumas ressalvas quanto à mudança de orientação sexual de personagens clássicos, acrescentando que talvez fosse mais interessante criar novos personagens. "Existe um vínculo do fã com o personagem, uma ideia sobre como esse personagem participa desse universo ficcional, qual a sua posição ali e, por fim, o que o faz ser atraente e único. Se você pega um personagem clássico e, de repente, diz que ele não é como todo mundo conhecia – seja um clone, um andróide, gay –, você muda todo o conceito criado. Acho que nem sempre o resultado se torna positivo. Inserir novos personagens é mais válido do que tentar chocar ou reavivar algo esquecido".

Jean também acredita que são questões mercadológicas que motivam a presença desse "novo discurso" no universo dos quadrinhos. "Não sou muito romântico em relação a isso e acho que as vendas são realmente o principal foco desse tipo de escolha. Acredito que seja um meio de alavancar as vendas, seja chamando a atenção do público consumidor de quadrinhos para algo diferente, seja atraindo a atenção de um público diferente, por exemplo o publico LGBT. Obviamente, aqueles que ainda não são leitores de quadrinhos".

Para Attila, embora as editoras atualmente adotem uma postura favorável à homossexualidade, isso não é apenas questão de responsabilidade social: "Na verdade, desde fins dos anos 80, editoras como a Marvel e a DC adotam uma postura de tolerância, espalhando diversos personagens gays aqui e acolá em seus títulos. Contudo, antes esses personagens eram periféricos, secundários. Agora são coadjuvantes de peso ou mesmo personagens-título, como a Batwoman. Essa mudança, além de convenientemente reforçar a ideia de tolerância, vai ao encontro da necessidade mercadológica de atrair novos leitores".

Jean lembra ainda que há outros super-heróis gays no universo da DC Comics, na série "The Authority", criada por Warren Ellis e Bryan Hitch. Ele se refere à dupla Meia-Noite e Apolo (inspirados, respectivamente, em Batman e Super-Homem). Perguntado sobre as especulações em torno da sexualidade de Batman e Robin, o ilustrador responde: "Não há uma relação homossexual entre eles. Não acho que foram criados assim".
Análise Mais consciência sobre o respeito à diversidade

O “boom” de super-heróis gays nos quadrinhos ocidentais é tanto uma estratégia comercial quanto um processo de assimilação das questões sociais que se desenvolvem hoje nos Estados Unidos. Devemos lembrar que os quadrinhos são ficção, e uma de suas caraterísticas é a presença de elementos que operam como ponte entre a realidade e o universo ficcional. Durante a Segunda Guerra Mundial foi criado o Capitão America, que influiu no imaginário norte-americano propondo o senso de patriotismo necessário para preparar as próximas gerações para a Guerra Fria que se seguiria. Durante o conturbado momento de luta pelos direitos das minorias, a Marvel surgiu com os X-Men, dialogando com o sentimento social de contestação e transformações que a sociedade presenciava naquele exato momento. O atual “boom” de personagens gays é fruto de mais um momento histórico, no qual essas questões se tornaram tão potentes e tão presentes na sociedade, que é impossível não assimilá-las nas narrativas. Se considerarmos que a batalha pelo reconhecimento dos direitos homoafetivos tem seu maior opositor nas questões culturais, a atual fase dos quadrinhos se apresenta como um aliado na desconstrução e na educação desta e de futuras gerações. Como efeito, a longo prazo, teremos um público mais consciente sobre o respeito à diversidade sexual e afetiva.


Ailton Berberick artista, pesquisador e graduando em Filosofia, pela UFRJ, e Artes Visuais, pela Uerj

Capitão América: um herói menos imperialista do que parece

Pesquisador afirma que o personagem foi mais crítico do que incentivador do governo norte-americano nos quadrinhos

Apesar de ganhar proporções internacionais com o lançamento do filme "Capitão América: O Primeiro Vingador", a fama de representar o imperialismo norte-americano sempre esteve associada ao herói, cujo uniforme e nome não deixam dúvidas sobre a sua origem.
O título do longa causou incômodo em alguns países, como Coréia do Sul e China. Na Rússia, a produção estreia apenas como "O Primeiro Vingador".


Foto: Divulgação
Capitão América: nos quadrinhos personagem foi um dos mais críticos ao governo dos Estados Unidos
Nos quadrinhos, Steve Rogers (nome real do herói) provou diversas vezes ser mais crítico ao governo de seu país do que o garoto propaganda criado em 1941, que durante a Segunda Guerra Mundial simbolizou a luta dos Estados Unidos contra o nazismo. E isso tem início ainda nos anos 1940, com o término do conflito que justificou a criação do herói.
"A criação do Capitão América foi uma esperteza de mercado da editora [Timely Comics]. No período, o governo dos EUA incentivou, com descontos em impostos, quem fizesse propaganda ideológica norte-americana", explica o quadrinista e historiador Sávio Queiroz Lima, que pesquisa HQs e suas relações com a história.

Com o fim da Segunda Guerra, os executivos da Timely Comics decidiram suspender as histórias do Capitão América. O personagem retornaria vinte anos mais tarde, quando a editora já era conhecida como Marvel Comics. Em sua "ressurreição", o herói é encontrado congelado e passa a integrar Os Vingadores, equipe formada por nomes como Homem de Ferro e Thor.
Durante a Guerra Fria, o personagem passou a refletir sobre a dificuldade de lidar com mocinhos e bandidos. "Era fácil odiar o nazista, pois ele era um inimigo muito romântico, um cara mau, burocrático. Mas quando ele volta nos anos 1960, descobre que odiar o comunista não tem a mesma facilidade. E o ambiente nos EUA também muda nesse período", afirma Sávio.
Nos anos 1970, desanimado com os escândalos envolvendo o presidente Richard Nixon [o político renunciou ao cargo], Steve Rogers abandonou o uniforme de Capitão América e adotou a identidade de Nômade, herói viajante que testemunhou as mazelas do país em viagens por seu interior.
"O Capitão oscila entre dois universos: a política interna e a externa. Na externa, ele se posiciona como norte-americano, como ocorreu na Segunda Guerra. Mas nos anos 1970 e 1980, ele volta-se à política interna, e critica o próprio Estados Unidos."
De volta ao uniforme tradicional azul, o personagem mergulhou no cotidiano dos guetos de Nova York ao lado do herói negro Falcão - e testemunhou uma América pobre, violenta.
Para Sávio, o período revela a liberdade que os autores tinham dentro da editora para criticar o governo do país. "O herói ganha uma visão mais intimista e passa a questionar os EUA. E ao representar o ideal do homem comum norte-americano, ele passa a vender fácil, pois o público quer alguém que critique o governo."
Pós-11 de Setembro
Em 2001, após a queda das Torres Gêmeas, o Capitão América aparece em algumas histórias enfrentando terroristas. Esse período foi conhecido como Guerra ao Terror. Porém, seus autores evitaram a questão religiosa, não colocando o personagem em luta contra muçulmanos.


Foto: Divulgação
Cena em que o Capitão América morre nas HQs
"Ele enfrenta terroristas do Oriente Médio, sim, mas com discurso de enfrentar o terror, não o islamismo. Nesse momento, ele se aproxima da propaganda ideológica. Mas a editora nega utilizá-lo no território árabe enfrentando árabes. Ele está sempre em solo americano", diz Sávio.
No final dos anos 2000, surge o arco de histórias conhecido como "Guerra Civil", em que os personagens da Marvel se dividem em dois grupos: o contra e o a favor do registro obrigatório de heróis nos Estados Unidos. E para surpresa de alguns, o líder dos opositores é o Capitão América.
"Existe um momento em que ele prevê que o governo vai dizer para os heróis quem são os vilões. E para ele isso vai contra o altruísmo dos heróis."
Depois da saga, Steve Rogers morre baleado e é substituído por Bucky, seu antigo parceiro que, ao contrário de seu mentor, age de forma mais violenta e agressiva. A mudança traz críticas aos editores - os fãs pedem o retorno de Steve Rogers ao uniforme de Capitão América.
Sobre a postura da Marvel diante da adaptação aos cinemas de um personagem tão emblemático, Sávio afirma: "Qualquer produto americano vende a ideia do que é ser norte-americano, mas como o mercado está ficando plural, o que as empresas fazem com os seus produtos é torná-los mundiais".


Originalmente publicado em: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/capitao+america+um+heroi+menos+imperialista+do+que+parece/n1597105942384.html

 

sábado, 18 de agosto de 2012

Cavaleiro das TREVAS - Parte 3 (Final): ÉPICO


Batman: O cavaleiro das TELAS é um ÉPICO


Nós caímos para que possamos usar nossas forças e levantarmos, é o discurso explícito na trilogia do Batman no cinema e que perpassa seus personagens e as situações que a fictícia Gotham vivenciou nas três partes dessa nova ópera contemporânea. No fim temos as diversas distorções que discursos podem sofrer até as suas realizações práticas, até mesmo numa produção focada no entretenimento.
Para tal empreitada, depois de formar a base de sua narrativa medular em já citadas obras do universo do Batman, Christopher Nolan, diretor da trilogia, aproveitou elementos de novos trechos na vida de Gotham City. Para tal, foi necessário adaptar, reconstruir o mito, para que o mesmo tornasse mais confortável na grande tela e a sua redução não soasse confusa. Costurando de forma coerente as específicas fases para a produção da narrativa, Nolan manteve a qualidade atingida com o tempo.
Um prazo de tempo estabelecido entre o final do segundo filme e início do terceiro possibilitou apropriar adequadamente a obra The Dark Knight Returns, ou Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Klaus Janson, de 1986.  Apesar de ter fundamentado o título do segundo filme, a obra fechada ofereceu mais elementos para o desfecho. Foi mais uma fonte documental a favor da construção narrativa, mesclando elementos e situações.

Mas de longe é Cavaleiro das Trevas o fio condutor da trama dirigida por Nolan no encerramento de sua trilogia. Foi a saga No Man´s Land, Terra de Ninguém, entre março e dezembro de 1999, que serviu de inspiração para a ambientação de boa parte da produção cinematográfica, assemelhando realidade e fantasia numa costura quase imperceptível. Nos quadrinhos o evento é seguido do efeito de um terremoto que atinge Gotham, mas no filme as circunstâncias são de responsabilidade humana.

A saga Legacy, aqui no Brasil lançada com o título de O Legado do Demônio, de 1996 faz menção direta a Ra´s Al Ghul e sua Liga das Sombras. De pouca força e significância em sua publicação de origem, serviu de peso para segurar algumas pontas soltas fornecidas pelo primeiro filme e muito bem aproveitadas em seu desfecho. A idéia da relação de Bane com a Liga das Sombras é objetivamente modificada para funcionar no trabalho de encerramento da trilogia, alternando com informações de sua contra-parte nos quadrinhos.

Mas o surgimento de Bane está intimamente ligado com a famosa saga Knigthfall, A Queda do Morcego, de abril de 1993 a agosto de 1994, que convergiu as atenções dos leitores aos cadenciados eventos de enfraquecimento, derrota, recuperação e vitória do Batman. A produção cinematográfica ajustou alguns elementos à sua pretensão narrativa, num momento acrescentando recurso próprio e noutro amoldando os oriundos dos quadrinhos originais.
Toda essa estrutura teceu a narrativa de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Trazendo as ações de Bane e seus escusos planos diante da cidade de Gotham City e do Batman. O encerramento do filme anterior cria toda uma situação de paz nascida de uma mentira: a de que Harvey Dent foi íntegro moralmente e que para isso o imaginário sobre o Batman passaria de herói a assassino. Tal alternação de discurso, dentro da narrativa, servia a uma lógica necessidade ética e suas reflexões na moral social desejada.
E com essa alternação de discurso se segue o terceiro filme, onde o antagonista principal, o maquiavélico Bane, esconde suas verdadeiras intenções em discursos revolucionários de natureza social e política. Deturpando valores de “povo”, “liberdade” e emulando uma justiça social no controle da sociedade pelo crime organizado armado. Bane discursa sobre o conflito de grupos econômicos extremos, onde a riqueza de uns e a pobreza de tantos justificam a ação revolucionária, numa paródia nefasta da Revolução Francesa do século XVIII, fundamentalmente na fase chefiada por Robespierre: O Reino do Terror.
A crise do discurso não é percebida em profundidade pelo herói Batman, nem mesmo pelo comissário Gordon, ambos preocupados com a ordem social perdida. Selina Kyle, a Mulher-Gato, é quem vislumbra melhor o embate entre o Status Quo anterior, de capitalismo e democracia de Gotham City e suas transnacionais, e a pseudo-revolução de Bane, uma ditadura armada e fundamentada no poder e na violência. Com certeza a obra ainda abrirá mais questionamentos e reflexões no campo do discurso ideológico na política, relacionando seus personagens fictícios com a realidade social em que vivemos.
De todo modo, o desfecho da trilogia se provou um competente épico, com direito a trilha sonora impactante de Hans Zimmer e reviravoltas tensas que prenderam seus primeiros expectadores em suas cadeiras por mais de duas horas nas salas de cinema. Ponderar sobre sua qualidade diante do segundo filme é uma atividade pouco produtiva, justamente por se tratarem de um mesmo produto, ligados na pretensão de cunhar nova página na História do cinema.
Savio Roz


Link interessante: http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/08/08/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city-artigo-de-slavoj-zizek-sobre-batman-o-cavaleiro-das-trevas-ressurge/). Existe um caminho que perpassa o pano de fundo do filme que vai dar nos quadrinhos. Sua releitura, sua adequação à realidade social, sua adequação ao produto da Industria Cultural. O derrapar de Slavoj encontra-se exatamente em não perceber essa rede discursiva e mirabolar pretensões discursivas.
Mas acredito que por mais competente que seja o Slavoj (principalmente com Pervert´s Guide to Cinema), sua atual análise tropeça na concepção de pretensão do Nolan, de sua produção e do mercado. Buscar uma reflexão de profundidade política nunca foi a pretensão de Nolan, do filme ou mesmo do mercado. E os discursos fechados são falas apenas do ponto de vista do Slavoj, não sendo, de forma alguma, determinantes nas produções em questão.

Cavaleiro das TELAS - Parte 2: A Fonte do Morcego


A Fonte do Morcego
Por Savio Roz



A construção do roteiro de um filme que tem os quadrinhos como base original de pesquisa e apropriação de elementos é sempre complicada em sua definição. Assim como ocorre com o uso de obra literária transposta ao cinema, questões de fidelidade não apenas estão presentes na apresentação de cenas e personagens, como também num pretendido “clima”.

A fidelidade na transição do suporte textual para o suporte cinematográfico busca nas caracterizações de cenários, elementos singulares, personagens e seus trejeitos, as informações a serem adequadamente apropriadas e aplicadas. O público, seja aquele consumidor apreciador da obra original (ou fonte original) ou mesmo o mais despretensioso possível, quer, a tudo custo, ver nas telas o que a obra textual buscou passar.

Ainda que se possa transportar sem muitas interferências elementos de uma mídia a outra, a linguagem narrativa cinematográfica tem suas regras, suas normas, seus limites. Assim como também possuem normatizações e espaços limítrofes as mídias textuais e gráficas dos livros e quadrinhos.

Esse apelo discursivo da fidelidade se apóia no discurso público, bem difundido, de uma “essência”, como se o imaginário coletivo pudesse balizar um conjunto de características que determinassem um discurso. Esse Batman essencial, ou qualquer que seja o personagem, está sempre no discurso referente à fidelidade.

Mas o cinema panfletou sempre essa fidelidade oscilante, apresentando para cada momento um Batman singular, profundamente encontrado em fontes de quadrinhos, mas longe de ser fixo ou ter rigidez em sua estrutura. Essa variação cultural do produto Batman adequadamente entendida como um novo Zeitgeist, ou seja, o “espírito de uma época”, gerou diversas e plurais identidades do homem-morcego.

Na reformulação da franquia na nova década, o diretor de Insomnia, Christopher Nolan, buscou a maturidade de enredo na idéia de realidade. Seu objetivo era tornar um super-herói não apenas plausível como, também, realista. Em vez de somente atualizar os elementos alegóricos, transportou a construção do personagem a uma realidade reconhecível pelo público.

A pesquisa com as fontes foi fundamental na elaboração do roteiro por David S. Goyer. Foram apresentadas histórias mais recentes e realistas do personagem, sendo algumas selecionadas como fonte de inspiração. Dessa forma, nenhuma publicação foi apropriada na íntegra no roteiro final. E era preciso, antes de tudo, que o roteiro tivesse sua inovação além do estético, o que acabou pesando sobre a origem até então não explorada do Batman.

A morte dos pais é um eco densamente repetido, sua justificativa maior, mas nenhum dos filmes havia, até então, aproveitado para contar sua trajetória para se tornar o Batman. Três elementos estão fortemente presentes nos dois filmes produzidos e não faltarão no terceiro: humanidade, medo e símbolo. A História-Origem apropriada no filma fundamenta-se em passagens de quadrinhos entre o final dos anos 70 e boa parte dos anos 80 e 90.

Mas, assumidamente pelo roteirista David S. Goyer e o diretor Christopher Nolan, três obras foram fundamentais na densidade da criação do novo universo cinematográfico: A fase dos quadrinhos produzida por Dannis O`Neil e Neal Adams, O Longo Dia das Bruxas e Batman: Ano Um. Todas condizentes ao personagem no mais recente Zeitgeist.

Depois de trabalharem com sucesso com o Lanterna Verde e o Arqueiro Verde na primeira metade dos anos 70, Dennis O`Neil e Neal Adams foram liderados por Julius Schwartz para as revistas do Batman, na Dc Comics. Nessa empreitada não apenas focaram o período do passado do Bruce Wayne para se tornar o Batman como lançaram um significante vilão: Ra´s Al Ghul. Em 1989, Dennis O´Neil, com parceria de Dick Giordano, escreveu a história The man Who falls, sobre o passado do Batman, que motivaram a condução de Christopher Nolan para o filme Batman Begins.

O realismo em Batman não foi uma inovação do cinema, pois Nolan encontrou o clima verossímil tanto de uma Gotham City quanto de seus personagens principais na emblemática obra Batman: Ano Um. Escrita por Frank Miller e desenhada por David Mazzucchelli em 1987 e fez parte do plano de renovação do produto pela editora Dc Comics. As vivências maduras dos personagens, seja o então tenente Gordon ou no nascimento da persona Batman na construção de um símbolo, moldaram um universo facilmente reconhecível com o universo real.

Para enriquecer esse cenário citadino em volta da figura centralizada do Batman a mini-série O Longo Dia das Bruxas, com texto de Jeph Loeb e desenhos de Tim Sale, entre 1996 e 1997, ofertou uma rede criminosa factível à realidade social contemporânea, inclusive com a corrupção como elemento fundador dessa realidade social criminosa. Boa parte do enredo do filme, ainda que não tenha transcorrido com fidelidade narrativa ao quadrinho, absorveu dessa história para se fundamentar.

Parte importante do sucesso da nova franquia, sua pretendida e aplicada realidade reconhecível e mesmo seu clima geral, que muito agradaram a crítica e a aceitação do público, vieram de um período renovado nas histórias do Batman. Foi esse Batman do final dos anos 70 e densamente construído nos anos 80 que foi apropriado e convocado ao cinema. Objetivos próprios para cada mídia da Indústria Cultural, no caso Quadrinhos e Cinema, justificam esse possível atraso entre a atualização feita no periódico físico e na produção áudio visual.

Para o leitor de quadrinhos habitual, os filmes são, então, a melhor vivência do Homem-Morcego nos cinemas, sua atual glória. Para o público distante da mídia quadrinhos, o filme é bom por utilizar um enredo construído num realismo, como um bom filme policial, com suspense e drama, com a peculiaridade de ter um super-herói presente na narrativa.

LEIA TAMBÉM:
Especial Batman | parte 1
https://www.facebook.com/notes/saladaculturalcombr/especial-batman-parte-1/390454561018269

SAVIO ROZ pesquisa e escreve sobre super-heróis e suas relações com a realidade social na contemporaneidade.  Atualmente busca em experimentos químicos, energias radioativas ou mesmo no planejamento real de combate ao mau uma maneira de apresentar seus trabalhos em eventos acadêmicos. https://www.facebook.com/savio.roz

(também publicado em https://www.facebook.com/notes/saladaculturalcombr/especial-batman-parte-2/400319666698425 )


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

O Cavaleiro das TELAS - parte 1


Batman: O cavaleiro das Telas
Por Savio Roz



O cinema já é um cenário bem conhecido pelo Batman e importante na construção de sua própria mitologia. Desde sua origem, em 1939, Batman demonstrou confortável narrativa com temáticas de aventura e suspense. As produções cinematográficas sempre foram grandes expositores de visões sobre a mitologia do Batman, sua releitura sendo uma constante e sua adequação social um fato.

Logo quando Batman começou a fazer sucesso nos quadrinhos outras mídias se valeram do personagem como produto, mas sua origem já estava ligada ao cinema desde cedo. Batman nasceu por inspirações que o seu criador, Bob Kane, teve do cinema dos anos 30. Filmes de heróis de aventura, como Zorro, em 1920, com Douglas Fairbanks como protagonista, e filmes de suspense, como The Bat Whisper, de 1930, com Una Merkel e Chester Morris.
Enfrentando uma espécie de agente do Império Japonês e gangster, o homem-morcego vislumbrou a grande tela em diversos episódios em 1943. Batman se viu introduzido numa realidade mais factual, política e ideológica, apresentando um imaginário do período e do seu lugar social. Foi a série que introduziu um importantíssimo elemento mítico ao personagem: A Batcaverna. Lewis Wilson fez o papel de Batman/Bruce Wayne e Douglas Croft o de Robin/Dick Grayson.



A boa recepção do universo do Batman, suas alegorias, a fugaz dramaticidade regada de ação e suspense, pelo público mais amplo e despretensioso, fez o cavaleiro das trevas voltar às produções cinematográficas. Com Robert Lowery como Batman e John Duncan como Robin, estreava o filme-série Batman e Robin em 1949. Confrontando os malefícios do vilão O Mago e salvando a jornalista Vick Vale, Batman e Robin protagonizam uma série carregada de erros tolos de continuidade e lógica, figurino mal feito, tudo por conta do baixo orçamento.

A dupla dinâmica retorna, anos depois, na produção serial que tornou-se emblemática: em 1966, com Adam West como Batman e Burt Ward como Robin, estreou a série Batman e Robin. Seguindo o estilo camp, com humor piegas e exageros teatrais na afetação das relações entre os personagens e no trato do clichê, a série acrescentou elementos aos quadrinhos, durou até 1968. Após isso, entrou um período de ostracismo do personagem no cinema tendo suas aparições limitadas às animações, como são os casos de The Adventures of Batman and Robin, entre 1969 e 1970, e de Superamigos, entre 1973 a 1975, pela Hanna-Barbera.

O ostracismo acabou. A atual geração maturou-se com o clima dark de Batman de 1989, com direção do inconfundível Tim Burton. Esse retorno triunfal do homem-morcego às telas lhe rendeu uma continuação em 1992 de nome Batman – o Retorno. Porém, a detentora das licenças, a Warner Bros. temeu que a franquia ficando ainda mais lúgubre, como vinha acontecendo nas mãos do Burton e buscou ampliar o público alvo e amenizar o clima nas histórias.

Exagero estético, queda de qualidade e referência ao não tão bem recebido estilo camp nos anos 90 não permitiram que as produções do Joel Schumacher alcançassem respeito dos fãs e nem do público, mesmo terem alcançado duas produções rentáveis. A primeira delas, Batman Forever, de 1995, envolveu grandes nomes do cinema, como Jim Carrey (Charada), Tommy Lee Jones (Duas-Caras), Chris O´Donnel (Robin) e seu protagonista Val Kilmer (Batman/Bruce Wayne). Com medo de usar o referencial da época nos quadrinhos, um Batman ainda mais sério e sombrio, optou por atualizar o Batman dos anos 60, com um glamour estético mais anos 90.



Sua sequência, Batman & Robin, de 1997, apresentou mais novos pesos pesados do cinema, como Arnold Schwarzenegger (Senhor Frio) e Uma Thurman (Hera Venenosa), mantendo o ator de Robin e mudando Val Kilmer por George Clooney. Seu destaque positivo foi a presença da Alicia Silverstone como Barbara Wilson, sobrinha do mordomo Alfred, e sua identidade secreta de Batgirl. O teor cômico exagerou e sua exaustão gerou um filme fraco, ainda que tenha alcançado uma boa bilheteria.

O Batman voltou a ser um produto das animações, dando um tempo das grandes telas. Inaugurou uma bem proveitosa safra de boas animações com Batman: Animated Series entre 1992 e 1995. A competente direção de Bruce Timm, usando os quadrinhos pós anos 80 como base criativa, garantiu a qualidade da produção a ponto de conquistar dois prêmios Emmy Awards. Entre 1997 e 1999 foram apresentadas as animações The New Batman Adventures e Superman: Animated Series, conjuntamente.

Sua volta às telas do cinema ocorreu em 2005 com o filme Batman Begins na direção de Christopher Nolan, com Christian Bale como Batman e outros nomes como Morgan Freeman (Lucius Fox), Gary Oldman (James Gordon), Liam Neeson (Henri Ducard) e Michael Caine como o jocoso mordomo Alfred. Seu roteiro não apenas retornava o personagem e seu universo a um clima mais sombrio como também demasiadamente realista e humano.
Com o sucesso atingido pelo primeiro filme de Nolan, fatalmente se esperava um segundo filme ainda mais impactante. As expectativas não foram subestimadas, tendo The Dark Knight, de 2008, aclamado pela opinião pública. Vários públicos foram atendidos nessa segunda empreitada, somando-se leitores de quadrinhos mais assíduos à despretensiosos telespectadores envolvidos numa trama psicológica encenada com maestria por Heath Ledger no papel de Coringa.



Eis que surge o pretendido encerramento da trilogia do Batman, The Dark Knight Rises, agora em 2012, na alçada de Christopher Nolan. Com a proximidade de sua estréia, um histórico cronológico sobre as vidas vividas pelo Batman na grande tela tem uma singular importância: entender o Batman em relação para cada momento histórico. Cada Batmen falando de sua realidade histórica e social e cada filme, entre erros e acertos, atendendo expectativas tanto de mercado quanto de público.

O que Nolan teve de inspiração? Onde Nolan buscou elementos, juntamente com S. Goyer, para produzir esses três últimos longa-metragens?

(Matéria originalmente publicada na fã page do Salada Cultural na rede social Facebook em 9 de julho de 2009)

sábado, 4 de agosto de 2012

I Forum Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial 2012




31 de março de 2012 aconteceu na cidade de Leopoldina (MG) o Primeiro Fórum Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial, com trabalhos em diversos campos científicos e profissionais de diversas cidades do Brasil. Evento agradabilíssimo acabou servido como reencontro de pesquisadores já consagrados e empenhosos novatos. Acima de tudo, um fortalecimento da pesquisa com os quadrinhos enquanto fonte-objeto.

As salas ficaram confortavelmente preenchidas de entusiastas que acompanharam apresentações e os caminhos seguidos pela pesquisa no Brasil. A palestra de abertura ficou a cargo do professor Waldomiro Vergueiros, sobre a pesquisa no Brasil e seu rumo. Foram três sessões de apresentações de trabalho com bons trabalhos. Nomes como os de  Thiago Bernardo, Jefferson Lima, Iuri Andréas Reblin, Nobuyhoshi  Chinen, Gazy Andraus, Natania Nogueira, Amaro Braga, entre outros.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Quadrinhos na Biblioteca Nacional




Começou no dia 10 de janeiro, mas por conta de umas tarefas de adequação de material científico para publicação comercial, não pude ir na inauguração. O fiz agora no dia 18, quarta-feira. A mostra Desenhar Para Sonhar: Quadrinhos Brasileiro no Acervo da Biblioteca Nacional apresentou parte do material em quadrinhos que se encontra na fundação. O visitante encontrou com facilidade no segundo andar (na entrada da Biblioteca Nacional) reproduções fac-símile e até mesmo alguns originais de publicações de quadrinhos pertencentes aos setores de periódicos e obras raras.

Exposição pequena, certa quantidade de fotografias fac-símiles de capas e trechos de publicações coloriam três colunatas de três lados e quatro mesas vitrines. As colunas estavam cobertas de fotografias que representavam as capas originais de quadrinhos como O Tico-Tico, Gibi (a maior quantidade do material), O Globo Juvenil, Suplemento Juvenil, e uma capa do Judoca e uma capa do Pirata. As publicações d´O Globo e Suplemento com vários personagens conhecidos das pessoas, como Pato Donald, Brucutu, Flash Gordon entre outros. Alguns trechos de quadrinhos podiam ser lidos entre essas capas, infelizmente sem nenhuma nota (nas colunas) que pudesse localizar suas origens.
Infelizmente as normas impediram que fotos pudessem ser tiradas tanto da exposição quanto de áreas da própria Biblioteca Nacional que eu já tive o prazer de fotografar anos anteriores onde essas regras não existiam. Algo sem muito fundamento, já que normas dessa natureza, em museus ou locais de exposições diversas, atendem às naturezas singulares dos objetos expostos como sensibilidade à luz, no caso do flash da máquina fotográfica, e riscos ou danos aos patrimônios, o que não ocorreria nem com as imagens copiadas (não originais) e nem mesmo com os originais em mesa protegida.

O atendimento no local, em minha visita, foi tranqüilo e bem informado (inclusive com educada abordagem para impedir fotografias), mas a exposição falhou na pouca quantidade e nos informativos dos materiais expostos. Um visitante comum ficaria sutilmente à deriva com uma enxurrada de imagens puramente alegóricas, pois algumas informações se encontram somente nas mesas vitrines e sem uma contextualização. Enfadonho para crianças, inexpressivos aos adultos, pelo menos a exposição apresenta visibilidade ao material histórico de quadrinhos encontrado na Biblioteca Nacional.

Material esse que um pesquisador empenhado poderá encontrar nos setores de obras raras e de periódicos (terceiro e segundo andar, respectivamente) nas formas de micro-filmagens ou mesmo em material digitalizado. Obras, como os quadrinhos do Ângelo Agostini, do século XIX e até mesmo publicações nacionais como Grandes Figuras em Quadrinhos, com personalidades históricas tratadas com narrativa positivista e pretendidas à educação infanto-juvenil. O pesquisador encontrará boa parte desse material em microfilmagens nos dois setores, com algumas publicações divididas entre ambos. O visitante que buscar esse material além da exposição fará uma viagem mais profunda e muito mais interessante. Mas lembre-se: Tenha um itinerário bibliográfico para não se perder no caminho!

Sávio Roz


A exposição acontece até o dia 29 de fevereiro, com entrada franca.
Avenida Rio Branco, 219, Centro - Rio de Janeiro/ RJ


(A imagem usada neste artigo é meramente ilustrativa como exemplo, não fazendo parte do acervo da exposição, já que não houve possibilidade de registrar em fotos.)