quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Consciência de PANTERA

O Pantera Negra


A primeira imagem que Wakanda tinha, no ano de 1966, era de uma comum cidade-reino de uma civilização africana. Wakanda amarrava em si elementos visuais que impossibilitavam definir-lhe ao certo a cultura, parecia mais um grande centro simbólico de tudo que o homem branco da Europa e dos Estados Unidos do norte entendiam de África.


É uma cidade fictícia existente no universo Marvel. Sua primeira “aparição” se dá na mesma edição de surgimento do personagem emblemático que nela habita: O Pantera Negra. Essa edição foi a Fantastic Four número 52, de julho de 1966. Da mesma maneira que era fácil

retratar as cidades norte-americanas nos quadrinhos da Marvel (como expressa o uso tranqüilo de Nova York) o inverso se percebe quando é de se tratar outras nações, talvez pelo simples fato de que era melhor falar de si mesmo e representar o outro com generalização.


A Marvel inventou nações na África para posicionar suas aventuras e personagens sem ter que se envolver em questões históricas e políticas que exigiriam uma maior reflexão. Pela simplicidade, optaram pela criatividade e criaram reinos como Azania, Narobia, Halwan e Murkatesh. Wakanda é a mais marcantes dessas cidades-reino pelo fato de abrigar o mais forte personagem africano até então.
O Pantera Negra não foi o primeiro personagem dos quadrinhos negro, nem mesmo se nos limitarmos ao gênero super-herói. Quando a Marvel ainda não era a Marvel, a revista “Jungle Tales” exibia Waku, Prince of the Bantu, como estrela. Mas, longe do ideal, esse personagem só mantinha a maneira que os africanos eram representados nos quadrinhos e anteriormente nas obras literárias infanto-juvenil. O tolo selvagem.


A imagem vai se modificar timidamente com a criação do Pantera Negra, por que então terá num super-herói seu subir de degrau. O Pantera Negra é um título de nobreza do reino de Wakanda. Era preciso que o rei (ou qualquer representante da família real) conquistasse esse título através de tarefas específicas. Esse título expressa a idéia de que a sociedade de Wakanda segue uma religiosidade totêmica, onde é a Pantera Negra o símbolo máximo do povo wakandano.


Para enriquecer a mitologia do quadrinho do Pantera Negra, os seus criadores, Stan Lee e Jack Kirby, marcaram Wakanda como um território que, milênios antes, havia sido palco da queda de um meteorito contendo o valiosíssimo metal que seria conhecido como Vibranium (o que posteriormente justificaria o poder material do escudo do Capitão América), metal fictício no universo Marvel.


Com a invasão do reino de Wakanda por exploradores em busca das minas desse metal raro, Tchalla, o Pantera Negra “oficial” (já que ao longo de aproximadamente 10 mil anos, vários guerreiros ostentaram o título), buscou ajuda do Quarteto Fantástico para proteger sua sociedade. Isso aconteceu após Tchalla ter passado um período nos Estados Unidos, numa universidade, estudando. Bem, esse era o personagem em 1966.
Porém, com o passar dos anos, elementos encontrados na mitologia do personagem conflitavam com os estudos étnicos sobre os povos africanos, mostrando o quanto que o personagem estava embrenhado de pré-conceitos e visões de inferioridade para com essas sociedades. Logo se fez necessário mudanças.


Recentemente o personagem passou por uma releitura, ou melhor, uma reescrita, acrescentando em seu currículo elementos novos e posicionamentos que diferenciam bastante do que se assistia em 1966. O Pantera atual (reformulado desde os anos 80, mas condensado na série Marvel Knight de 1998 e mais recentemente no retorno de seu título solo em 2005) nunca estudou nos Estados Unidos como impossibilidade de encontrar qualidade educacional em sua nação, muito pelo contrário, agora ele apresentava avanços tecnológicos vindos de centros de estudos em Wakanda. A própria cidade tornou-se uma jóia a ser cobiçada não só pelo metal como também pelo conhecimento de seus cientistas.


O Pantera alcançou mais um patamar nessa escalada pelo respeito e pela dignidade. Ainda não é o ideal, mas é olhando para o tanto que foi subido é que se entende o valor de onde se está. Tchalla continua enfrentando dificuldades dentro e fora dos quadrinhos, sejam com vilões que ainda se vestem como conquistadores do século 19, seja com a popularidade baixa do personagem em comparação com outros pesos pesados dos Quadrinhos.


Um fato interessante, que pode muito bem ser entendido como representação do que estava acontecendo nos Estados Unidos mesmo antes de sua oficialização (sejam nas conversas populares, sejam em eventos reprimidos), é a relação do Pantera Negra com o movimentos dos Panteras Negras (Black Panther party). Ideologicamente, tirando o fato de serem símbolos de negritude, o super-herói e o movimento só tiveram o nome em comum. O personagem foi lançado na revista supracitada em julho de 1966, enquanto o movimento foi oficialmente fundado em outubro de 1966. Parece que Tchalla expressou primeiro esse movimento social, pelo menos simbolicamente, mostrando que movimentos sociais existem antes mesmo de suas convenções formais de nascimento.


O movimento dos Panteras Negras enfrentou conflitos com a polícia, muitos acabavam em mortes para ambos os lados, e logo seu radicalismo tornou-se rachadura para sua desfragmentação. Infelizmente, nos últimos anos de sua formação enquanto partido político, com ações comunitárias e educacionais, sua força sofreu queda e para alguns, o partido dos Panteras Negras acabou em meados dos anos 80.


Voltando para os quadrinhos, estamos acostumados a ver personagens nascerem e morrerem. Revistas serem lançadas por alguns anos, passar outros tantos desaparecidas, e logo serem relançadas com novas abordagens. Tchalla consegue dar uma sugestão para releitura, quando retorna após tantos anos e se mantém, desde os anos 60, como um personagem aberto a melhoras. Assim como estrelou primeiro, como título, pode ser que tenha trilhado um caminho que o Partido dos Panteras Negras tentou nos anos 80, quando se organizou enquanto partido político.


Ou quem sabe, isso já venha ocorrendo, mas desprendido de títulos totêmicos, como o crescente número de partidos e movimentos negros em todo o mundo ocidental. Wakanda ficou longe das bancas e Tchalla quase se aposentou, mas logo o mercado abriu espaço para o personagem e sua mitologia reformulada. O partido dos Panteras Negras pode estar passando por esse mesmo período de repensar para retornar, deixando seu passado radical e revendo o que os anos lhe lapidaram.
Vida longa aos Panteras Negras! (Mas sem radicalismos!)


Excelsior,
Sávio Roz