quinta-feira, 28 de novembro de 2013

DOCES BÁRBAROS BAIANOS - Parte 1

"História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens(quadrinhistas)"

 Depois de tanta ansiedade, era natural que a noite fosse sem sono tranquilo. Ainda nem estávamos dentro da nau que nos levaria para uma terra diferente da nossa, mas já sentíamos um mareado estranhamento reconfortante. Alguns marujos já haviam estado nas terras das Minas Gerais e conheciam a travessia, bem como a feira de uma semana que presenciaríamos, a ocorrer de dois em dois anos. Neste ano de 2013 (do calendário de nosso senhor), levamos não apenas nossas vontades e nossas expectativas, como, também, nossos trabalhos. As malas ficaram abarrotadas do que levaríamos, e entre cervejas e risadas esperamos o horário de nossa partida.
 Já estavam no aeroporto 2 de Julho (apesar de alguns chamarem o local de "Luis Eduardo Magalhães) na madrugada, confraternizando nossa viagem. Nas bagagens os frutos: TIKI - O Menino Guerreiro, Máquina Zero (a esforçada coletânea antológica internacional) e a deliciosa OZADIA. Frutos nossos, de esforços diversos, custos de ultima hora, suores como de remadores de galeras da antiguidade. E começamos com essas intensas e vigorosas remadas rumo ao evento de nome Feira Internacional de Quadrinhos que aconteceu em Belo Horizonte entre os dias 13 e 17 de novembro de 2013. Bruno Marcello encontrou com Marcelo Lima para venderem numa mesa as suas produções, além, claro, de seus trabalhos em publicações como a O Quarto Ao Lado, dividindo autoria com André Leal e Daiane Oliveira. No aeroporto de Salvador, nos encontramos todos. Além de Bruno Marcello e Marcelo Lima estavam Lucas Pimenta, Adalton Silva, Daniel Cesar, eu (Savio Roz) e Netto Robatto. Alguns dos integrantes de um veleiro chamado quadrinhos.

Apostas recentes nos ligaram e projetamos nossos sonhos num mar de possibilidades. Mas de nada valeria sem nosso remar, nossos esforços, cada vela içada, cada corda bem amarrada, o trabalho de todos no convés. Navegamos. Entre rações e mercadorias, levamos bebidas e alegrias. Nossas risadas retiraram qualquer sono no recinto, viajamos entre canções e piadas. Nossa ida já demonstrou ser mais que proveitosa. Apesar do clima amistoso, de uma carga grande de jocosidade, soubemos ter a pitada certa de profissionalismo. Derrapamos, cometemos excessos, nos divertimos muito, mas fomos produtores de quadrinhos como deveríamos ser. E ainda o somos, tendo sido essa viagem a prova de fogo para alguns.


 Antes mesmo de toda aquela movimentação intensa de pessoas, com grupos e mais grupos de colégios pululando entre os corredores, antes mesmo de um fim de semana quentíssimo de vendas, autógrafos e celebridades... Encontramos o pavilhão da Serraria Souza Pinto de uma maneira que os visitantes não prestigiaram. Chegamos como que numa floresta calma, semi-pantanosa, com flores neons e névoas de polens em lento despertar. Como abelhas, trabalhávamos para que os stands contivessem nossos planejamentos, para que tudo fosse o mais adequado possível. os corredores largos logo ficaram afilados pela quantidade de transeuntes. Caixas lacradas eram segredos a serem revelados, malas e mochilas davam mais humanidade e pessoalidade ao lugar, as revistas eram folhas mágicas, reconfortadas em seus devidos lugares por mãos carinhosas.

 Depositamos uma boa energia em tudo que foi feito, em cada encontro que ocorria. Como velhos guerreiros (ainda que com brandas amizades, até então) nos encontramos a todos com alegria. Reconhecer os pares e parcos laços de amizade tornaram mais estreitos. Então, a FIQ nos serviu para fortalecermos essa rede de contatos e trabalhos. Já despontava o sucesso antes mesmo da abertura oficial da feira. E qualidade nunca faltou. Passear ainda no silêncio, na quietude, por corredores com stands sendo montados, seres humanos trabalhando arduamente para que tudo ficasse o mais ideal possível, ver o piso xadrez como num tabuleiro e cada pequena saleta com uma enxurrada de quadrinhos, coisas que fazem o eco anterior à tempestade. Uma tempestade favorável, banhando e lavando a tudo, matando a sede de todos.

Ah, que paragens! Nos foi informado que veríamos com temor uma cena final, de tudo sendo desmontado e uma depressiva onda climática atingindo a todos. Bem, no momento desta narrativa ainda estávamos pra adentrar na semana por vir, então essa informação estava bastante longe, essa previsão demasiadamente distante de se concretizar. Mas a onda que nos arrebatou neste primeiro dia de FIQ nem de longe foi de tristeza ou decepção. Foi uma onda de contentamento, de euforia, estávamos, juntos, na Feira Internacional de Quadrinhos. Estávamos com nossas publicações. Estávamos. Como doces bárbaros, os baianos invadiram Minas Gerais.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013


A pesquisa em Quadrinhos no Brasil: reflexões sobre os últimos anos

O ano de 2013 marcou-se como legendário pela formalização da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial (http://aspasnacional.wordpress.com), ocorrida em evento na cidade de Leopoldina com a Casa de Leitura gentilmente recebendo convivas e ofertando uma de suas salas como endereço confortável ao grupo. Nasceu a ASPAS. Entretanto, ela foi o florescimento de intenções, relações e amistosidades entre pesquisadores que germinou de uma semente mais antiga. 






Agremiou-se pesquisadores num grupo dentro do site Café História. Articulamos as primeiras idéias e fomentamos e incentivamos produções, uns aos outros. Confirmamos nossas existências como exploradores de cavernas com suas lanternas (verdes, talvez). Nos encontramos. Atiçamos um primeiro encontro, como quem sopra o fogo, como quem usa pederneiras para se produzir fogo numa rudimentar fogueira. Assim, participamos em julho de 2011 do Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos, na UFPE, produzido pelo Doutor Amaro Braga (também autor de obras em quadrinhos como Afro-HQ). Os anais do evento podem ser encontrados neste link: http://www.4shared.com/document/d5AKqeG5/2011_Encontro_Nacional_Estudos.html .

Os pesquisadores que tanto dialogaram no grupo de Histórias em Quadrinhos no Café Históriahttp://cafehistoria.ning.com/group/histria ) puderam apertas as mãos, em quantidade maior, nas Primeiras Jornadas Internacionais de Quadrinhos feitas pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade São Paulo (USP) (http://jornadasinternacionais.wordpress.com) em agosto de 2011. O Doutor Waldomiro Vergueiros, juntamente com Paulo Ramos e Nobuyoshi Chinen (entre outros importantes nomes presentes) guiaram um mais que considerável número de produções textuais em diversas áreas e modalidades. Quadrinhos, entre seduções e paixões, fortaleceram laços de companheirismo e amizade.

O contato digital foi importantíssimo, gerando críticas e inovações, fazendo com que todo pesquisador participante avançasse em seus esforços nas produções dos trabalhos seguintes a serem apresentados nos eventos sobre quadrinhos produzidos dentro dos espaços acadêmicos em todo território nacional. Foi a movimentação de uma emergente geração de pesquisadores, enriquecidos pelos avanços já propostos pelas gerações anteriores. Se podemos dividir, como fiz em trabalho titulado Pesquisando História nos Quadrinhos: A pesquisa de quadrinhos na História e de História nos quadrinhos (http://pt.scribd.com/doc/140629014/Caderno-de-Resumos-Final).



Em tal trabalho, corri reflexão sobre mecanismos e modalidades de estudos onde os quadrinhos são fontes históricas e objetos do passado. Como parte do trato produzido busca apresentar (ou reapresentar) a pesquisa sobre quadrinhos no Brasil, produzi (não de forma radical) divisões instrumentais de gerações de pesquisadores e suas produções. Como um mapa ao tesouro levando o incauto explorador da orla do conhecimento às matas fechadas ainda pouco expeditas. Nesse trajeto do conhecimento, proponho quatro gerações distintas não apenas pelos espaços de tempo como pelo aprofundamento temático. Nos eventos que seguiram, as gerações puderam se encontrar, maravilhosamente.

Com alcançada maturidade, estivemos presente no Primeiro Fórum Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial (http://iforumnacionalartesequencial.wordpress.com), em março de 2012. Este foi a primeira radícula que germinou a ponto de florescer como a ASPAS. Os alicerces foram ali maturados, sendo recebido, o evento, na Casa de Leitura Lya Muller Botelho e no CEFET de Leopoldina, e apoiado pela Academia Leopoldinense de Letras e de Arte. Os trabalhos partícipes podem ser conferidos em https://skydrive.live.com/?cid=138ba5d9930baaa7&id=138BA5D9930BAAA7%21228&authkey=!AH-Dk8nrWB2Upj8 .



O ano seguiu favorável, nos possibilitando um outro encontro em Pernambuco, o segundo Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos, também na UFPE e julho de 2012 (http://encontrohq.blogspot.com.br). E a cada evento, o diálogo produzido em linguagem próxima e envolvendo cargas positivas de conhecimento e informação, com ampla maturidade, incentivaram todos os avanços porvir. A cada conjunto de texto produzido, as entradas e bandeiras desafios a natureza inóspita da relação entre a academia e de tão inovador objeto-fonte. Vimos os perigos da superficialidade, nos amedrontamos com as ameaças da apatia acadêmica, lutamos contra a mesmice teórica e confrontamos a tropa de medo da metodologia. Cometemos deslizes, fizemos amigos, agregamos valores aos nossos estudos.


Nos preparamos para tomar, como povos bárbaros, as cercanias da pesquisa sobre quadrinhos não apenas no Brasil: em setembro de 2012 zarpamos rumos ao evento Viñetas Serias, em Buenos Aires, Argentina (http://www.vinetasserias.com.ar). Segunda edição do Congresso Internacional de Quadrinhos (segundo congreso internacional sobre historieta y humor gráfico) ocorreu na Biblioteca Nacional de Buenos Aires e nos espaços Cine-Cosmos da Universidade de Buenos Aires. A presença brasileira foi mais que significativa, tendo sido comentada a grande numeração na mesa de encerramento. O evento equilibra-se bi-anualmente com as Jornadas Internacionais da USP, equidistantes em datas e equivalentes em peso. 





Além do Entre Aspas, o ano de 2013 também trouxe o evento da USP, as Segundas Jornadas Internacionais ocorridas no final de agosto. os anais do evento poderão ser lidos no novo site: http://www2.eca.usp.br/jornadas/, bem como se mantém sua periodicidade. E tudo ainda é sempre um bom começo, onde seguimos assumindo fraquezas, buscando melhorias, enfrentando as adversidades que as circunstâncias nos apresentam. Os trabalhos ainda são árduos e existe uma longa estrada ainda a ser trilhada e os membros (os associados e os ainda não associados) dessa casta investigativa estão fazendo seu melhor. 

Savio Roz





terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quadrinhos e Cinema: Uma Relação Carnal

Quadrinhos e cinema: Uma Relação Carnal

Quadrinhos e cinema: Uma Relação Carnal

Inegável o crescimento do interesse das produções cinematográficas em se apropriar do seguro universo dos quadrinhos para seus atuais produtos. Diversas relações são necessárias para que essa rede seja forte o suficiente para arrebatar o público consumidor e agregar aos seus produtos ainda mais valores, como uma análise histórica pode propiciar.

As relações entre cinema e quadrinhos são muito mais antigas, tendo existido, nos Estados Unidos, desde as animações aos filmes live action (como são chamados os filmes feitos com atores reais, distinguindo de produtos em desenhos animados). Com o sucesso dos super-heróis na segunda metade dos anos 30 e boa parte dos anos 40, filmes pulularam produções como as longas séries do Super-homem nas rádios em 1943 e nos cinemas entre 1948 e 1950, Batman e Robin em série de 1943 e Capitão América em 1944.

Seguiu-se um histórico de dialética branda, onde a mitologia dos super-heróis foi construída através de elaborações que de um momento surgiam de sua origem nos quadrinhos, de outro se adequavam aos agrados conquistados pelas mídias mais socialmente absorvíveis. As décadas seguintes foram de comunhão entre as mídias, num momento acrescentando elementos numa osmose confortável, noutro causando desconfortos em discordâncias entre os mesmos espaços.
Foi o caso, por exemplo, da produção seriada Batman e Robin, de 1966, onde o então estilo camp, de humor insinuoso e espalhafatoso vivido e consumido pela televisão estadunidense do período carregou o produto de características que, quando questionadas, originaram uma verdadeira ressalva nas produções em quadrinhos. Foram feitos quadrinhos para negar o imaginário criado pelo seriado. Esse tipo de readequação de produto nunca foi uma novidade na Indústria Cultural.


Mas a atualidade se apropriou de forma ainda mais predatória de mitologias, imaginários e discursos que a alguns anos limitavam-se ao mercado de quadrinhos e hoje fazem parte dos planos de ampla produção das empresas do mainstream de quadrinhos. Aqui não cabe se pensar de forma aprofundada as relações empresariais que fizeram editoras de quadrinhos serem agregadas aos conglomerados poderosos da Indústria Cultural, mas é fato que eles influenciam consideravelmente tais circunstâncias.
Os avanços tecnológicos, principalmente nas primeiras décadas do novo milênio, atenderam expectativas de um público cada vez mais exigente com a magia de ser ludibriado pelos sentidos. Efeitos especiais seduziram públicos novos e empolgaram o seleto grupo de leitores tradicionais. E as relações de “fidelidade” e de “essência” forma discursivamente valorizadas nos diálogos entre esses grupos.
 
Com a primeira trilogia dos X-men iniciada em 2000 e a primeira trilogia do Homem-Aranha em 2002, acertos valorizaram os produtos a ponto de serem compreendidos como saltos qualitativos nas adequações desses produtos à realidade massiva do cinema. Logo essa nova explosão renovou a maneira de se pensar os super-heróis dos quadrinhos no grande cinema estadunidense, vendendo ao mundo aquilo que boa parte do mesmo já conhecia nas páginas periódicas.


Obviamente houveram repetições fracas do que os anos 90 já haviam experimentados, e verdadeiras derrapadas que geraram críticas ferrenhas da criticidade social dos leitores e seus cânones. Ainda assim, tais deslizes não enfraqueceram o mercado, que alcançou seu momento mais glorioso com o popular e bem recebido Os Vingadores, de 2012. Para que o produto conquistasse tal posição, foram utilizadas várias estratégias, dos dilemas ideológicos e políticos ao senso de humor refinado e atualizado.

A partir daqui, seriam proveitosas diversas reflexões, voltando um pouco no tempo e se pensando algumas relações de quadrinhos e cinema, associando pontos de vistas dos “entendedores” e suas vivências nas leituras de quadrinhos e dos “calouros” recém-chegados aos universos mitológicos em questão. E isso é coisa que fica para o próximo capítulo!

Originalmente publicado em: http://falacinefilo.com.br/quadrinhos-e-cinema-uma-relacao-carnal

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O quê que DC e Marvel têm (de diferente)

O quê que DC e Marvel têm (de diferente)15. 11. 2012
Quadrinhos
Nos anos 1990, os heróis das duas editoras chegaram a se enfrentar e até a se mesclar em edições especiais
Por Marcelo Rafael
 
Os super-heróis têm voado para longe dos quadrinhos, ganhando cada vez mais destaque nos cinemas, graças à qualidade dos efeitos especiais e ao bom tratamento dos personagens dado pelos roteiristas.

Com o sucesso de filmes como Vingadores e X-Men, o público aguarda ansioso pela filmagem de Liga da Justiça. Mas, em geral, quem não acompanha os quadrinhos não consegue entender por que o Superman não pode estar nos Vingadores ou por que Tempestade e Mulher-Maravilha não são amigas. Ou seja, não compreendem que os personagens pertencem a duas editoras diferentes, grandes rivais nos EUA: Marvel Comics e DC Comics.

“Obviamente, alguns não entendem os mercados, [não entendem] que existem duas empresas grandes que estão disputando”, comenta Sávio Roz, historiador e pesquisador de história em quadrinhos, com vários artigos sobre as duas editoras norte-americanas.

Na hora da avaliação desses filmes, quem dá o veredito, especialmente entre os amigos, é o fã-leitor. “O cara que vai só se divertir [no cinema] entende quem é o Homem-Aranha, percebe que o fã se empolga com o filme e esse fã acaba virando um ‘farol’ para o resto da turma”, comenta.

Ao contrário de muitos leitores brasileiros que passam por Turma da Mônica e Disney, Roz foi um leitor que, na infância, pulou direto para os super-heróis, puxado pelo desenho clássico dos Superamigos, da década de 1980.

Ele só percebeu que havia dois "universos" diferentes quando foram publicadas as maxissagas marcantes de DC e Marvel nos anos 1980: Crise nas Infinitas Terras e Guerras Secretas. Até então, o máximo que ele notava de diferente era que havia grupos como X-Men e Liga da Justiça. "Essas duas minisséries foram importantes pra eu ter consciência de que havia duas editoras", conta.

Algumas diferenças entre Marvel e DC são bem básicas, como a designação dos heróis. Na Marvel, por exemplo, os poderosos dos X-Men são chamados de mutantes. Na DC, a designação para os super-heróis, em geral, é “meta-humano”.

A origem dos poderes, no entanto, varia muito de personagem para personagem em ambas as editoras. “Tanto na DC quanto na Marvel existem heróis e vilões com poderes de origem mística, alienígena, mutante”, afirma Bernando Santana, editor sênior da DC Comics no Brasil.

“Na Marvel, os seres superpoderosos têm (e sempre tiveram) uma abordagem mais pé no chão, enquanto na DC, pelo menos no que diz respeito aos personagens mais icônicos, os heróis ainda têm uma natureza um pouco ‘divina’”, completa Santana.

Essa abordagem mais “próxima da realidade” também se reflete nos locais onde os personagens atuam. “A Marvel usa mais cidades reais – tradicionalmente Nova York – na maior parte das vezes. Já a DC tem cidades fictícias bastante consagradas, como Metrópolis, Gotham City, Central City, Coast City”.
 
As diferenças podem ser vistas também nas cidades em que as histórias se passam

À medida que se conhece um pouco mais dos personagens, as diferenças se aprofundam. Saiba um pouco mais como cada uma das duas editoras lida com algumas questões:
 
Marvel DC Comics
Multiverso Marvel
Versões alternativas inventadas pelos roteiristas deram origem a mundos paralelos. Heróis com cara de porco habitam o Larval Earth – Terra 8311. Personagens com suas histórias recomeçadas do zero, com novas origens, vivem na Terra 1610, do Universo Ultimate.
Uma superequipe que explorou bem vários universos paralelos (não necessariamente com nomes), cruzando dimensões, foram os britânicos do Excalibur, durante as décadas de 1980 e 1990. Mais detalhes sobre o Multiverso Marvel você pode encontrar aqui.
Multiverso DC
Alguns dos maiores heróis da editora, como o Superman e o Batman, existem desde a década de 30. Para que eles não envelhecessem com o tempo, os personagens originais (incluindo o primeiro Lanterna Verde, Alan Scott, que usava uma longa capa, e o primeiro Flash, que usava um chapéu com asinhas) foram jogados na Terra Paralela, em um universo diferente do nosso. Desde então, surgiram muitas outras Terras: Terra X; Terra 3, Terra S, etc. Nos anos 1980, a odisseia Crise nas Infinitas Terras tentou botar ordem na bagunça, acabando com várias delas. Não teve jeito: nas décadas seguintes, pontas soltas e criações de roteiristas deram origem a mais dimensões, e novas odisseias tentaram reorganizar tudo, sem sucesso.
Alienígenas Marvel
Os E.T.s não são tão presentes na Marvel quanto na DC. Mas, entre os que se destacam, estão os heróis Capitão Marvel e Surfista Prateado e os vilões Thanos e Galactus. O “uniforme preto” do Homem-Aranha era, na verdade, um alienígena que ele encontrou na Lua. Os aliens do império intergaláctico Shiar também tiveram importante papel nas histórias dos X-Men. Os Skrulls são uma raça de metamorfos que invadiu a Terra, causando muitos problemas aos heróis.
Alienígenas DC
O principal personagem da editora é um dos alienígenas mais famosos do mundo: o kryptoniano Superman. Além dele, há sua prima, a Supergirl. Há também o marciano Ajax, o thanagariano Gavião Negro e o czarniano Lobo. As Tropas de Lanternas Verde, Vermelha, Azul e Amarela são quase totalmente extraterrestres. “Como dá pra ver, a DC explora um pouco mais esse aspecto” afirma Santana.
Locais imaginários Marvel
A editora costuma usar cidades do mundo real, como Nova York (onde vivem X-Men e Homem-Aranha), mas alguns locais saíram da cabeça dos editores. Nas histórias dos X-Men, a Ilha Muir é um centro de pesquisas e Genosha, um país escravizador de mutantes. Doutor Destino é o ditador do país europeu Latvéria, enquanto Namor é o senhor de Atlântis, no Atlântico Norte. Wakanda é um reino do leste africano e Terra Selvagem é um pedaço da Antártica onde os dinossauros sobreviveram.
Locais imaginários DC
Metrópolis e Gotham City são os locais fictícios mais conhecidos da DC, lar de Superman e Batman, respectivamente. Ambas começaram como uma referência direta a Nova York, mas logo se concretizaram nas duas cidades que conhecemos hoje.
Personagens gays Marvel
Desde que o tema de gênero passou a fazer parte dos quadrinhos, uma editora quis sair à frente da outra com a retirada de personagens do armário. Apesar de Estrela Polar ter se casado apenas neste ano, ele já foi pensado como um homossexual desde sua criação, na década de 1970. Entram na lista Colossus, do universo Ultimate, cowboy Billy Blue, Arco-Íris e os namorados adolescentes Wiccano e Hulking.
Personagens gays DC
Após o anúncio do casamento de Estrela Polar, a DC avisou que um de seus principais personagens também era homossexual. Boatos rolaram sobre Batman, mas quem acabou sendo tirado do armário, este ano, foi o primeiro Lanterna Verde, o da década de 1930, que vive na Terra Paralela (como mencionado no  item “Multiverso DC”). O sombrio John Constantine é outro nome gay. A Batwoman namora a policial Renée Montoya. A ex-capitã da polícia de Metrópolis, Maggie Sawyer, também é lésbica.
Mitologia Marvel
Ambas apelam para heróis de outras eras ou mesmo para deuses. Na Marvel, os principais são Thor e todo o panteão de Åsgard. “A Marvel tem uma tradição na literatura inglesa, do Romantismo do século XIX”, explica Roz. “Ela tem uma tradição de explorar mais os aspectos humanos de seus heróis, mesmo eles sendo capazes de levantar um prédio com uma mão”, completa Santana.
Mitologia DC
A principal heroína da editora foi criada do barro pelos deuses do Olimpo: a Mulher-Maravilha é uma princesa amazona que vivia em uma ilha chamada Themyscira. Para Roz, a tradição grega também se confirma na essência dos personagens da DC. “Eles são intocáveis, são o suprassumo da moral e da ética”, comenta, traçando o paralelo com os deuses helênicos.
 
Um dos motivos que contribui para a confusão entre as duas editoras no Brasil é o fato de terem sido publicadas pela mesma empresa por muito tempo: pela Abril nos anos 1980/90 e, atualmente, pela Panini. Mas, para Roz, isso também é bom para os fãs, que só ganham com a rivalidade lá fora que não se repete aqui dentro. “A ‘publicadora’ no Brasil, vamos chamar assim, lança mais material conforme a aceitação do público. Tentam manter um equilíbrio”, analisa.

De um jeito ou de outro, tanto Marvel quanto DC impõem, soberanas, seus personagens e são referência mundial em super-heróis, superando outras editoras. “Estamos falando de duas empresas que sabem muito bem como funciona o mercado, que sabem mobilizar o artista certo, sabem descobrir que autor conquista melhor o público, etc.”, completa Roz.
 
“Tanto na DC quanto na Marvel existem heróis e vilões com poderes de origem mística, alienígena, mutante”
 
  Originalmente publiada em: http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/48864

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A sexualidade dos heróis

HQs abordam mais abertamente a diversidade sexual, tornam-se alvo de protestos de conservadores e estimulam o debate sobre a tolerância

originalmente publicado em: 17/06/2012 - 19h57 - Atualizado em 17/06/2012 - 19h57
A Gazeta - http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/06/noticias/a_gazeta/caderno_2_ag/1278017-a-sexualidade-dos-herois.html

Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
Tiago Zanoli
tzanoli@redegazeta.com.br

Duas notícias no mundo dos quadrinhos deram o que falar recentemente. Uma delas dizia respeito ao casamento de Estrela Polar – o primeiro personagem assumidamente homossexual da Marvel Comics – com Kyle Jinadu. A história será publicada nesta quarta, nos Estados Unidos, no número 51 da revista "Astonishing X-Men". A outra revelou que Alan Scott, o Lanterna Verde original, surgido em 1940, está de volta nas páginas da série "Earth 2", da DC Comics, na qual assume sua homossexualidade. Nos quadrinhos, aliás, ele aparece beijando outro homem.

Inevitavelmente, um grupo conversador cristão chamado One Million Moms (Um Milhão de Mães) protestou contra as duas editoras, alegando ser má influência paras as crianças, que "desejam ser como os super-heróis", imitando suas ações e fantasiando-se com seus uniformes. "Essas empresas influenciam fortemente nossa juventude por meio desses super-heróis, para fazer uma lavagem cerebral e fazê-la pensar que o modo de vida dos gays é normal e desejável. Como cristãos, sabemos que a homossexualidade é um pecado", dizia o grupo, em determinado trecho da carta de repúdio.

Nos Estados Unidos, já se fala em uma fase "rainbow pride" (orgulho arco-íris) nos quadrinhos de super-heróis. No início do mês, em entrevista ao site da revista "The Advocate" (www.advocate.com), o roteirista James Robinson, responsável pela mudança da orientação sexual do primeiro Lanterna Verde (favor não confundir com o famoso Hal Jordan, levado para os cinemas), afirmou que haverá outro personagem gay e que há também possibilidade de mudança de gênero na série "Earth 2" (que é, na verdade, uma realidade alternativa do universo criado pela DC Comics). Esse momento dos quadrinhos pode ter um papel importante na conscientização do público em favor do respeito e da tolerância à diversidade sexual – algo urgente numa época em que se vê, com frequência, várias demonstrações de intolerância, que culminam em agressões físicas de homossexuais ou, pior, assassinatos.

"O impacto mais óbvio é essa reação negativa das mães à inclusão dessa temática nas histórias. Os quadrinhos têm esse histórico de suscitar sentimentos de revolta nos pais, por serem um veículo cujas prerrogativas morais são, em muitos casos, diferente das deles. É um segmento poderoso que se insere no imaginário popular de maneira eficiente, e os conservadores não dominam nem têm tanto poder assim sobre ele. Por isso, sempre haverá protestos contra essas medidas e esse segmento. Por outro lado, o impacto pode ser positivo, se considerarmos os efeitos de conscientização e massificação da luta pelo reconhecimento dos direitos homoafetivos", afirma o artista e pesquisador Ailton Berberick, que é graduando em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e em Artes Visuais, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Berberick, que integra um grupo de estudos sobre arte, cultura e gênero na Uerj, ressalta que nos quadrinhos orientais sempre houve personagens gays e enredos inteiros sobre homossexualidade nas história. "Achei interessante essa proposta da Marvel e da DC, mas minha história como leitor de quadrinhos japoneses e coreanos não faz com que eu me surpreenda". Segundo ele, até pouco tempo atrás, não havia nos quadrinhos debates em torno da diversidade sexual, como agora. "Era como se o mundo dos super-heróis, homens e mulheres extraordinários e louváveis, fosse predominantemente heterossexual. Hoje a diversidade ‘invade’ os quadrinhos e mostra que esses homens e essas mulheres extraordinários e louváveis podem ter as mais diversas orientações sexuais".


Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
O herói Estrela Polar (à dir.), da Marvel, casou-se com o seu companheiro
Tendência

Mestre em Letras pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e professor universitário, Attila Piovesan observa que essa onda reflete uma tendência. "Na configuração social atual, a homossexualidade deixou de ser tabu para a maioria das pessoas, o que inevitavelmente gera reflexo em produtos culturais". Estudioso do universo dos quadrinhos (sua dissertação de mestrado abordou a relação entre HQs e literatura), ele observa, contudo, que as editoras de quadrinhos norte-americanas, as maiores responsáveis por publicar super-heróis, há décadas travam uma batalha contra o encolhimento do mercado, o número cada vez mais reduzido de leitores e a falta de renovação do público leitor.

"Um dos fatores apontados para essa ‘crise’ nas histórias de super-heróis foi justamente o de ser um produto focado em um tipo bastante específico de leitor: branco, em fins da adolescência, mas principalmente adulto, do sexo masculino, que já lê quadrinhos há muitos anos. Isto é bastante restritivo, se pensarmos que existem públicos com preferências e elementos de identificação bastante heterogêneos. Por isso, temos vários personagens latinos atualmente nas HQs americanas, assim como maior representatividade de outras etnias e preferências sexuais e mesmo religiosas".

Ou seja, discurso à parte, há também interesses comerciais em jogo, como observa o historiador e professor de história Sávio Roz, de Salvador (BA), que também pesquisa e escreve artigos sobre quadrinhos: "Estamos falando de mercado editorial, de um produto feito para chamar a atenção e vender. E está funcionando perfeitamente. É uma estratégia fantástica. A Marvel trouxe o casamento gay, e em resposta a DC anunciou que um de seus heróis é gay. Escolheram o Alan Scott, que podemos chamar de um personagem de segundo escalão, e não Hal Jordan, o mais famoso. Com isso, não correram o risco de investir numa empreitada malsucedida. Considero a ação da Marvel mais honesta, pois o Estrela Polar é assumidamente homossexual desde a década de 1990".

Sávio diz, porém, que não existe hoje um público homossexual leitor de quadrinhos que surgiu da noite para o dia. Na verdade, ele sempre existiu. "A diferença é que a própria sociedade está mais flexível, e tornou-se mais seguro discursar sobre isso abertamente". Com isso, ressalta, há dois caminhos possíveis. O primeiro é tornar possível a discussão e o diálogo em torno desse assunto. "O caminho perigoso, porém, é a transformação da diversidade sexual em alegoria, adotando clichês e estereótipos, assumindo um tom pejorativo ou mesmo mudando a conduta do personagem. Vejo isso acontecer nos quadrinhos. A reação de parte do público é risonha, especulando que será o próximo super-herói a ‘sair do armário’. Com isso, estamos ridicularizando o próximo".

Quadrinhos - HQs - sexualidade dos herois
Meia-Noite (à frente) e Apolo, da série “The Authority”, também são gays
Conceito

O ilustrador Jean Froes, que já desenhou para histórias da Mulher Maravilha e do personagem Cyborg, da DC Comic, e foi arte finalista de X-Factor, para a Marvel, tem algumas ressalvas quanto à mudança de orientação sexual de personagens clássicos, acrescentando que talvez fosse mais interessante criar novos personagens. "Existe um vínculo do fã com o personagem, uma ideia sobre como esse personagem participa desse universo ficcional, qual a sua posição ali e, por fim, o que o faz ser atraente e único. Se você pega um personagem clássico e, de repente, diz que ele não é como todo mundo conhecia – seja um clone, um andróide, gay –, você muda todo o conceito criado. Acho que nem sempre o resultado se torna positivo. Inserir novos personagens é mais válido do que tentar chocar ou reavivar algo esquecido".

Jean também acredita que são questões mercadológicas que motivam a presença desse "novo discurso" no universo dos quadrinhos. "Não sou muito romântico em relação a isso e acho que as vendas são realmente o principal foco desse tipo de escolha. Acredito que seja um meio de alavancar as vendas, seja chamando a atenção do público consumidor de quadrinhos para algo diferente, seja atraindo a atenção de um público diferente, por exemplo o publico LGBT. Obviamente, aqueles que ainda não são leitores de quadrinhos".

Para Attila, embora as editoras atualmente adotem uma postura favorável à homossexualidade, isso não é apenas questão de responsabilidade social: "Na verdade, desde fins dos anos 80, editoras como a Marvel e a DC adotam uma postura de tolerância, espalhando diversos personagens gays aqui e acolá em seus títulos. Contudo, antes esses personagens eram periféricos, secundários. Agora são coadjuvantes de peso ou mesmo personagens-título, como a Batwoman. Essa mudança, além de convenientemente reforçar a ideia de tolerância, vai ao encontro da necessidade mercadológica de atrair novos leitores".

Jean lembra ainda que há outros super-heróis gays no universo da DC Comics, na série "The Authority", criada por Warren Ellis e Bryan Hitch. Ele se refere à dupla Meia-Noite e Apolo (inspirados, respectivamente, em Batman e Super-Homem). Perguntado sobre as especulações em torno da sexualidade de Batman e Robin, o ilustrador responde: "Não há uma relação homossexual entre eles. Não acho que foram criados assim".
Análise Mais consciência sobre o respeito à diversidade

O “boom” de super-heróis gays nos quadrinhos ocidentais é tanto uma estratégia comercial quanto um processo de assimilação das questões sociais que se desenvolvem hoje nos Estados Unidos. Devemos lembrar que os quadrinhos são ficção, e uma de suas caraterísticas é a presença de elementos que operam como ponte entre a realidade e o universo ficcional. Durante a Segunda Guerra Mundial foi criado o Capitão America, que influiu no imaginário norte-americano propondo o senso de patriotismo necessário para preparar as próximas gerações para a Guerra Fria que se seguiria. Durante o conturbado momento de luta pelos direitos das minorias, a Marvel surgiu com os X-Men, dialogando com o sentimento social de contestação e transformações que a sociedade presenciava naquele exato momento. O atual “boom” de personagens gays é fruto de mais um momento histórico, no qual essas questões se tornaram tão potentes e tão presentes na sociedade, que é impossível não assimilá-las nas narrativas. Se considerarmos que a batalha pelo reconhecimento dos direitos homoafetivos tem seu maior opositor nas questões culturais, a atual fase dos quadrinhos se apresenta como um aliado na desconstrução e na educação desta e de futuras gerações. Como efeito, a longo prazo, teremos um público mais consciente sobre o respeito à diversidade sexual e afetiva.


Ailton Berberick artista, pesquisador e graduando em Filosofia, pela UFRJ, e Artes Visuais, pela Uerj

Capitão América: um herói menos imperialista do que parece

Pesquisador afirma que o personagem foi mais crítico do que incentivador do governo norte-americano nos quadrinhos

Apesar de ganhar proporções internacionais com o lançamento do filme "Capitão América: O Primeiro Vingador", a fama de representar o imperialismo norte-americano sempre esteve associada ao herói, cujo uniforme e nome não deixam dúvidas sobre a sua origem.
O título do longa causou incômodo em alguns países, como Coréia do Sul e China. Na Rússia, a produção estreia apenas como "O Primeiro Vingador".


Foto: Divulgação
Capitão América: nos quadrinhos personagem foi um dos mais críticos ao governo dos Estados Unidos
Nos quadrinhos, Steve Rogers (nome real do herói) provou diversas vezes ser mais crítico ao governo de seu país do que o garoto propaganda criado em 1941, que durante a Segunda Guerra Mundial simbolizou a luta dos Estados Unidos contra o nazismo. E isso tem início ainda nos anos 1940, com o término do conflito que justificou a criação do herói.
"A criação do Capitão América foi uma esperteza de mercado da editora [Timely Comics]. No período, o governo dos EUA incentivou, com descontos em impostos, quem fizesse propaganda ideológica norte-americana", explica o quadrinista e historiador Sávio Queiroz Lima, que pesquisa HQs e suas relações com a história.

Com o fim da Segunda Guerra, os executivos da Timely Comics decidiram suspender as histórias do Capitão América. O personagem retornaria vinte anos mais tarde, quando a editora já era conhecida como Marvel Comics. Em sua "ressurreição", o herói é encontrado congelado e passa a integrar Os Vingadores, equipe formada por nomes como Homem de Ferro e Thor.
Durante a Guerra Fria, o personagem passou a refletir sobre a dificuldade de lidar com mocinhos e bandidos. "Era fácil odiar o nazista, pois ele era um inimigo muito romântico, um cara mau, burocrático. Mas quando ele volta nos anos 1960, descobre que odiar o comunista não tem a mesma facilidade. E o ambiente nos EUA também muda nesse período", afirma Sávio.
Nos anos 1970, desanimado com os escândalos envolvendo o presidente Richard Nixon [o político renunciou ao cargo], Steve Rogers abandonou o uniforme de Capitão América e adotou a identidade de Nômade, herói viajante que testemunhou as mazelas do país em viagens por seu interior.
"O Capitão oscila entre dois universos: a política interna e a externa. Na externa, ele se posiciona como norte-americano, como ocorreu na Segunda Guerra. Mas nos anos 1970 e 1980, ele volta-se à política interna, e critica o próprio Estados Unidos."
De volta ao uniforme tradicional azul, o personagem mergulhou no cotidiano dos guetos de Nova York ao lado do herói negro Falcão - e testemunhou uma América pobre, violenta.
Para Sávio, o período revela a liberdade que os autores tinham dentro da editora para criticar o governo do país. "O herói ganha uma visão mais intimista e passa a questionar os EUA. E ao representar o ideal do homem comum norte-americano, ele passa a vender fácil, pois o público quer alguém que critique o governo."
Pós-11 de Setembro
Em 2001, após a queda das Torres Gêmeas, o Capitão América aparece em algumas histórias enfrentando terroristas. Esse período foi conhecido como Guerra ao Terror. Porém, seus autores evitaram a questão religiosa, não colocando o personagem em luta contra muçulmanos.


Foto: Divulgação
Cena em que o Capitão América morre nas HQs
"Ele enfrenta terroristas do Oriente Médio, sim, mas com discurso de enfrentar o terror, não o islamismo. Nesse momento, ele se aproxima da propaganda ideológica. Mas a editora nega utilizá-lo no território árabe enfrentando árabes. Ele está sempre em solo americano", diz Sávio.
No final dos anos 2000, surge o arco de histórias conhecido como "Guerra Civil", em que os personagens da Marvel se dividem em dois grupos: o contra e o a favor do registro obrigatório de heróis nos Estados Unidos. E para surpresa de alguns, o líder dos opositores é o Capitão América.
"Existe um momento em que ele prevê que o governo vai dizer para os heróis quem são os vilões. E para ele isso vai contra o altruísmo dos heróis."
Depois da saga, Steve Rogers morre baleado e é substituído por Bucky, seu antigo parceiro que, ao contrário de seu mentor, age de forma mais violenta e agressiva. A mudança traz críticas aos editores - os fãs pedem o retorno de Steve Rogers ao uniforme de Capitão América.
Sobre a postura da Marvel diante da adaptação aos cinemas de um personagem tão emblemático, Sávio afirma: "Qualquer produto americano vende a ideia do que é ser norte-americano, mas como o mercado está ficando plural, o que as empresas fazem com os seus produtos é torná-los mundiais".


Originalmente publicado em: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/capitao+america+um+heroi+menos+imperialista+do+que+parece/n1597105942384.html

 

sábado, 18 de agosto de 2012

Cavaleiro das TREVAS - Parte 3 (Final): ÉPICO


Batman: O cavaleiro das TELAS é um ÉPICO


Nós caímos para que possamos usar nossas forças e levantarmos, é o discurso explícito na trilogia do Batman no cinema e que perpassa seus personagens e as situações que a fictícia Gotham vivenciou nas três partes dessa nova ópera contemporânea. No fim temos as diversas distorções que discursos podem sofrer até as suas realizações práticas, até mesmo numa produção focada no entretenimento.
Para tal empreitada, depois de formar a base de sua narrativa medular em já citadas obras do universo do Batman, Christopher Nolan, diretor da trilogia, aproveitou elementos de novos trechos na vida de Gotham City. Para tal, foi necessário adaptar, reconstruir o mito, para que o mesmo tornasse mais confortável na grande tela e a sua redução não soasse confusa. Costurando de forma coerente as específicas fases para a produção da narrativa, Nolan manteve a qualidade atingida com o tempo.
Um prazo de tempo estabelecido entre o final do segundo filme e início do terceiro possibilitou apropriar adequadamente a obra The Dark Knight Returns, ou Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Klaus Janson, de 1986.  Apesar de ter fundamentado o título do segundo filme, a obra fechada ofereceu mais elementos para o desfecho. Foi mais uma fonte documental a favor da construção narrativa, mesclando elementos e situações.

Mas de longe é Cavaleiro das Trevas o fio condutor da trama dirigida por Nolan no encerramento de sua trilogia. Foi a saga No Man´s Land, Terra de Ninguém, entre março e dezembro de 1999, que serviu de inspiração para a ambientação de boa parte da produção cinematográfica, assemelhando realidade e fantasia numa costura quase imperceptível. Nos quadrinhos o evento é seguido do efeito de um terremoto que atinge Gotham, mas no filme as circunstâncias são de responsabilidade humana.

A saga Legacy, aqui no Brasil lançada com o título de O Legado do Demônio, de 1996 faz menção direta a Ra´s Al Ghul e sua Liga das Sombras. De pouca força e significância em sua publicação de origem, serviu de peso para segurar algumas pontas soltas fornecidas pelo primeiro filme e muito bem aproveitadas em seu desfecho. A idéia da relação de Bane com a Liga das Sombras é objetivamente modificada para funcionar no trabalho de encerramento da trilogia, alternando com informações de sua contra-parte nos quadrinhos.

Mas o surgimento de Bane está intimamente ligado com a famosa saga Knigthfall, A Queda do Morcego, de abril de 1993 a agosto de 1994, que convergiu as atenções dos leitores aos cadenciados eventos de enfraquecimento, derrota, recuperação e vitória do Batman. A produção cinematográfica ajustou alguns elementos à sua pretensão narrativa, num momento acrescentando recurso próprio e noutro amoldando os oriundos dos quadrinhos originais.
Toda essa estrutura teceu a narrativa de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Trazendo as ações de Bane e seus escusos planos diante da cidade de Gotham City e do Batman. O encerramento do filme anterior cria toda uma situação de paz nascida de uma mentira: a de que Harvey Dent foi íntegro moralmente e que para isso o imaginário sobre o Batman passaria de herói a assassino. Tal alternação de discurso, dentro da narrativa, servia a uma lógica necessidade ética e suas reflexões na moral social desejada.
E com essa alternação de discurso se segue o terceiro filme, onde o antagonista principal, o maquiavélico Bane, esconde suas verdadeiras intenções em discursos revolucionários de natureza social e política. Deturpando valores de “povo”, “liberdade” e emulando uma justiça social no controle da sociedade pelo crime organizado armado. Bane discursa sobre o conflito de grupos econômicos extremos, onde a riqueza de uns e a pobreza de tantos justificam a ação revolucionária, numa paródia nefasta da Revolução Francesa do século XVIII, fundamentalmente na fase chefiada por Robespierre: O Reino do Terror.
A crise do discurso não é percebida em profundidade pelo herói Batman, nem mesmo pelo comissário Gordon, ambos preocupados com a ordem social perdida. Selina Kyle, a Mulher-Gato, é quem vislumbra melhor o embate entre o Status Quo anterior, de capitalismo e democracia de Gotham City e suas transnacionais, e a pseudo-revolução de Bane, uma ditadura armada e fundamentada no poder e na violência. Com certeza a obra ainda abrirá mais questionamentos e reflexões no campo do discurso ideológico na política, relacionando seus personagens fictícios com a realidade social em que vivemos.
De todo modo, o desfecho da trilogia se provou um competente épico, com direito a trilha sonora impactante de Hans Zimmer e reviravoltas tensas que prenderam seus primeiros expectadores em suas cadeiras por mais de duas horas nas salas de cinema. Ponderar sobre sua qualidade diante do segundo filme é uma atividade pouco produtiva, justamente por se tratarem de um mesmo produto, ligados na pretensão de cunhar nova página na História do cinema.
Savio Roz


Link interessante: http://boitempoeditorial.wordpress.com/2012/08/08/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city-artigo-de-slavoj-zizek-sobre-batman-o-cavaleiro-das-trevas-ressurge/). Existe um caminho que perpassa o pano de fundo do filme que vai dar nos quadrinhos. Sua releitura, sua adequação à realidade social, sua adequação ao produto da Industria Cultural. O derrapar de Slavoj encontra-se exatamente em não perceber essa rede discursiva e mirabolar pretensões discursivas.
Mas acredito que por mais competente que seja o Slavoj (principalmente com Pervert´s Guide to Cinema), sua atual análise tropeça na concepção de pretensão do Nolan, de sua produção e do mercado. Buscar uma reflexão de profundidade política nunca foi a pretensão de Nolan, do filme ou mesmo do mercado. E os discursos fechados são falas apenas do ponto de vista do Slavoj, não sendo, de forma alguma, determinantes nas produções em questão.