quinta-feira, 28 de novembro de 2013

DOCES BÁRBAROS BAIANOS - Parte 1

"História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens(quadrinhistas)"

 Depois de tanta ansiedade, era natural que a noite fosse sem sono tranquilo. Ainda nem estávamos dentro da nau que nos levaria para uma terra diferente da nossa, mas já sentíamos um mareado estranhamento reconfortante. Alguns marujos já haviam estado nas terras das Minas Gerais e conheciam a travessia, bem como a feira de uma semana que presenciaríamos, a ocorrer de dois em dois anos. Neste ano de 2013 (do calendário de nosso senhor), levamos não apenas nossas vontades e nossas expectativas, como, também, nossos trabalhos. As malas ficaram abarrotadas do que levaríamos, e entre cervejas e risadas esperamos o horário de nossa partida.
 Já estavam no aeroporto 2 de Julho (apesar de alguns chamarem o local de "Luis Eduardo Magalhães) na madrugada, confraternizando nossa viagem. Nas bagagens os frutos: TIKI - O Menino Guerreiro, Máquina Zero (a esforçada coletânea antológica internacional) e a deliciosa OZADIA. Frutos nossos, de esforços diversos, custos de ultima hora, suores como de remadores de galeras da antiguidade. E começamos com essas intensas e vigorosas remadas rumo ao evento de nome Feira Internacional de Quadrinhos que aconteceu em Belo Horizonte entre os dias 13 e 17 de novembro de 2013. Bruno Marcello encontrou com Marcelo Lima para venderem numa mesa as suas produções, além, claro, de seus trabalhos em publicações como a O Quarto Ao Lado, dividindo autoria com André Leal e Daiane Oliveira. No aeroporto de Salvador, nos encontramos todos. Além de Bruno Marcello e Marcelo Lima estavam Lucas Pimenta, Adalton Silva, Daniel Cesar, eu (Savio Roz) e Netto Robatto. Alguns dos integrantes de um veleiro chamado quadrinhos.

Apostas recentes nos ligaram e projetamos nossos sonhos num mar de possibilidades. Mas de nada valeria sem nosso remar, nossos esforços, cada vela içada, cada corda bem amarrada, o trabalho de todos no convés. Navegamos. Entre rações e mercadorias, levamos bebidas e alegrias. Nossas risadas retiraram qualquer sono no recinto, viajamos entre canções e piadas. Nossa ida já demonstrou ser mais que proveitosa. Apesar do clima amistoso, de uma carga grande de jocosidade, soubemos ter a pitada certa de profissionalismo. Derrapamos, cometemos excessos, nos divertimos muito, mas fomos produtores de quadrinhos como deveríamos ser. E ainda o somos, tendo sido essa viagem a prova de fogo para alguns.


 Antes mesmo de toda aquela movimentação intensa de pessoas, com grupos e mais grupos de colégios pululando entre os corredores, antes mesmo de um fim de semana quentíssimo de vendas, autógrafos e celebridades... Encontramos o pavilhão da Serraria Souza Pinto de uma maneira que os visitantes não prestigiaram. Chegamos como que numa floresta calma, semi-pantanosa, com flores neons e névoas de polens em lento despertar. Como abelhas, trabalhávamos para que os stands contivessem nossos planejamentos, para que tudo fosse o mais adequado possível. os corredores largos logo ficaram afilados pela quantidade de transeuntes. Caixas lacradas eram segredos a serem revelados, malas e mochilas davam mais humanidade e pessoalidade ao lugar, as revistas eram folhas mágicas, reconfortadas em seus devidos lugares por mãos carinhosas.

 Depositamos uma boa energia em tudo que foi feito, em cada encontro que ocorria. Como velhos guerreiros (ainda que com brandas amizades, até então) nos encontramos a todos com alegria. Reconhecer os pares e parcos laços de amizade tornaram mais estreitos. Então, a FIQ nos serviu para fortalecermos essa rede de contatos e trabalhos. Já despontava o sucesso antes mesmo da abertura oficial da feira. E qualidade nunca faltou. Passear ainda no silêncio, na quietude, por corredores com stands sendo montados, seres humanos trabalhando arduamente para que tudo ficasse o mais ideal possível, ver o piso xadrez como num tabuleiro e cada pequena saleta com uma enxurrada de quadrinhos, coisas que fazem o eco anterior à tempestade. Uma tempestade favorável, banhando e lavando a tudo, matando a sede de todos.

Ah, que paragens! Nos foi informado que veríamos com temor uma cena final, de tudo sendo desmontado e uma depressiva onda climática atingindo a todos. Bem, no momento desta narrativa ainda estávamos pra adentrar na semana por vir, então essa informação estava bastante longe, essa previsão demasiadamente distante de se concretizar. Mas a onda que nos arrebatou neste primeiro dia de FIQ nem de longe foi de tristeza ou decepção. Foi uma onda de contentamento, de euforia, estávamos, juntos, na Feira Internacional de Quadrinhos. Estávamos com nossas publicações. Estávamos. Como doces bárbaros, os baianos invadiram Minas Gerais.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013


A pesquisa em Quadrinhos no Brasil: reflexões sobre os últimos anos

O ano de 2013 marcou-se como legendário pela formalização da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial (http://aspasnacional.wordpress.com), ocorrida em evento na cidade de Leopoldina com a Casa de Leitura gentilmente recebendo convivas e ofertando uma de suas salas como endereço confortável ao grupo. Nasceu a ASPAS. Entretanto, ela foi o florescimento de intenções, relações e amistosidades entre pesquisadores que germinou de uma semente mais antiga. 






Agremiou-se pesquisadores num grupo dentro do site Café História. Articulamos as primeiras idéias e fomentamos e incentivamos produções, uns aos outros. Confirmamos nossas existências como exploradores de cavernas com suas lanternas (verdes, talvez). Nos encontramos. Atiçamos um primeiro encontro, como quem sopra o fogo, como quem usa pederneiras para se produzir fogo numa rudimentar fogueira. Assim, participamos em julho de 2011 do Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos, na UFPE, produzido pelo Doutor Amaro Braga (também autor de obras em quadrinhos como Afro-HQ). Os anais do evento podem ser encontrados neste link: http://www.4shared.com/document/d5AKqeG5/2011_Encontro_Nacional_Estudos.html .

Os pesquisadores que tanto dialogaram no grupo de Histórias em Quadrinhos no Café Históriahttp://cafehistoria.ning.com/group/histria ) puderam apertas as mãos, em quantidade maior, nas Primeiras Jornadas Internacionais de Quadrinhos feitas pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade São Paulo (USP) (http://jornadasinternacionais.wordpress.com) em agosto de 2011. O Doutor Waldomiro Vergueiros, juntamente com Paulo Ramos e Nobuyoshi Chinen (entre outros importantes nomes presentes) guiaram um mais que considerável número de produções textuais em diversas áreas e modalidades. Quadrinhos, entre seduções e paixões, fortaleceram laços de companheirismo e amizade.

O contato digital foi importantíssimo, gerando críticas e inovações, fazendo com que todo pesquisador participante avançasse em seus esforços nas produções dos trabalhos seguintes a serem apresentados nos eventos sobre quadrinhos produzidos dentro dos espaços acadêmicos em todo território nacional. Foi a movimentação de uma emergente geração de pesquisadores, enriquecidos pelos avanços já propostos pelas gerações anteriores. Se podemos dividir, como fiz em trabalho titulado Pesquisando História nos Quadrinhos: A pesquisa de quadrinhos na História e de História nos quadrinhos (http://pt.scribd.com/doc/140629014/Caderno-de-Resumos-Final).



Em tal trabalho, corri reflexão sobre mecanismos e modalidades de estudos onde os quadrinhos são fontes históricas e objetos do passado. Como parte do trato produzido busca apresentar (ou reapresentar) a pesquisa sobre quadrinhos no Brasil, produzi (não de forma radical) divisões instrumentais de gerações de pesquisadores e suas produções. Como um mapa ao tesouro levando o incauto explorador da orla do conhecimento às matas fechadas ainda pouco expeditas. Nesse trajeto do conhecimento, proponho quatro gerações distintas não apenas pelos espaços de tempo como pelo aprofundamento temático. Nos eventos que seguiram, as gerações puderam se encontrar, maravilhosamente.

Com alcançada maturidade, estivemos presente no Primeiro Fórum Nacional de Pesquisadores em Arte Sequencial (http://iforumnacionalartesequencial.wordpress.com), em março de 2012. Este foi a primeira radícula que germinou a ponto de florescer como a ASPAS. Os alicerces foram ali maturados, sendo recebido, o evento, na Casa de Leitura Lya Muller Botelho e no CEFET de Leopoldina, e apoiado pela Academia Leopoldinense de Letras e de Arte. Os trabalhos partícipes podem ser conferidos em https://skydrive.live.com/?cid=138ba5d9930baaa7&id=138BA5D9930BAAA7%21228&authkey=!AH-Dk8nrWB2Upj8 .



O ano seguiu favorável, nos possibilitando um outro encontro em Pernambuco, o segundo Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos, também na UFPE e julho de 2012 (http://encontrohq.blogspot.com.br). E a cada evento, o diálogo produzido em linguagem próxima e envolvendo cargas positivas de conhecimento e informação, com ampla maturidade, incentivaram todos os avanços porvir. A cada conjunto de texto produzido, as entradas e bandeiras desafios a natureza inóspita da relação entre a academia e de tão inovador objeto-fonte. Vimos os perigos da superficialidade, nos amedrontamos com as ameaças da apatia acadêmica, lutamos contra a mesmice teórica e confrontamos a tropa de medo da metodologia. Cometemos deslizes, fizemos amigos, agregamos valores aos nossos estudos.


Nos preparamos para tomar, como povos bárbaros, as cercanias da pesquisa sobre quadrinhos não apenas no Brasil: em setembro de 2012 zarpamos rumos ao evento Viñetas Serias, em Buenos Aires, Argentina (http://www.vinetasserias.com.ar). Segunda edição do Congresso Internacional de Quadrinhos (segundo congreso internacional sobre historieta y humor gráfico) ocorreu na Biblioteca Nacional de Buenos Aires e nos espaços Cine-Cosmos da Universidade de Buenos Aires. A presença brasileira foi mais que significativa, tendo sido comentada a grande numeração na mesa de encerramento. O evento equilibra-se bi-anualmente com as Jornadas Internacionais da USP, equidistantes em datas e equivalentes em peso. 





Além do Entre Aspas, o ano de 2013 também trouxe o evento da USP, as Segundas Jornadas Internacionais ocorridas no final de agosto. os anais do evento poderão ser lidos no novo site: http://www2.eca.usp.br/jornadas/, bem como se mantém sua periodicidade. E tudo ainda é sempre um bom começo, onde seguimos assumindo fraquezas, buscando melhorias, enfrentando as adversidades que as circunstâncias nos apresentam. Os trabalhos ainda são árduos e existe uma longa estrada ainda a ser trilhada e os membros (os associados e os ainda não associados) dessa casta investigativa estão fazendo seu melhor. 

Savio Roz





terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quadrinhos e Cinema: Uma Relação Carnal

Quadrinhos e cinema: Uma Relação Carnal

Quadrinhos e cinema: Uma Relação Carnal

Inegável o crescimento do interesse das produções cinematográficas em se apropriar do seguro universo dos quadrinhos para seus atuais produtos. Diversas relações são necessárias para que essa rede seja forte o suficiente para arrebatar o público consumidor e agregar aos seus produtos ainda mais valores, como uma análise histórica pode propiciar.

As relações entre cinema e quadrinhos são muito mais antigas, tendo existido, nos Estados Unidos, desde as animações aos filmes live action (como são chamados os filmes feitos com atores reais, distinguindo de produtos em desenhos animados). Com o sucesso dos super-heróis na segunda metade dos anos 30 e boa parte dos anos 40, filmes pulularam produções como as longas séries do Super-homem nas rádios em 1943 e nos cinemas entre 1948 e 1950, Batman e Robin em série de 1943 e Capitão América em 1944.

Seguiu-se um histórico de dialética branda, onde a mitologia dos super-heróis foi construída através de elaborações que de um momento surgiam de sua origem nos quadrinhos, de outro se adequavam aos agrados conquistados pelas mídias mais socialmente absorvíveis. As décadas seguintes foram de comunhão entre as mídias, num momento acrescentando elementos numa osmose confortável, noutro causando desconfortos em discordâncias entre os mesmos espaços.
Foi o caso, por exemplo, da produção seriada Batman e Robin, de 1966, onde o então estilo camp, de humor insinuoso e espalhafatoso vivido e consumido pela televisão estadunidense do período carregou o produto de características que, quando questionadas, originaram uma verdadeira ressalva nas produções em quadrinhos. Foram feitos quadrinhos para negar o imaginário criado pelo seriado. Esse tipo de readequação de produto nunca foi uma novidade na Indústria Cultural.


Mas a atualidade se apropriou de forma ainda mais predatória de mitologias, imaginários e discursos que a alguns anos limitavam-se ao mercado de quadrinhos e hoje fazem parte dos planos de ampla produção das empresas do mainstream de quadrinhos. Aqui não cabe se pensar de forma aprofundada as relações empresariais que fizeram editoras de quadrinhos serem agregadas aos conglomerados poderosos da Indústria Cultural, mas é fato que eles influenciam consideravelmente tais circunstâncias.
Os avanços tecnológicos, principalmente nas primeiras décadas do novo milênio, atenderam expectativas de um público cada vez mais exigente com a magia de ser ludibriado pelos sentidos. Efeitos especiais seduziram públicos novos e empolgaram o seleto grupo de leitores tradicionais. E as relações de “fidelidade” e de “essência” forma discursivamente valorizadas nos diálogos entre esses grupos.
 
Com a primeira trilogia dos X-men iniciada em 2000 e a primeira trilogia do Homem-Aranha em 2002, acertos valorizaram os produtos a ponto de serem compreendidos como saltos qualitativos nas adequações desses produtos à realidade massiva do cinema. Logo essa nova explosão renovou a maneira de se pensar os super-heróis dos quadrinhos no grande cinema estadunidense, vendendo ao mundo aquilo que boa parte do mesmo já conhecia nas páginas periódicas.


Obviamente houveram repetições fracas do que os anos 90 já haviam experimentados, e verdadeiras derrapadas que geraram críticas ferrenhas da criticidade social dos leitores e seus cânones. Ainda assim, tais deslizes não enfraqueceram o mercado, que alcançou seu momento mais glorioso com o popular e bem recebido Os Vingadores, de 2012. Para que o produto conquistasse tal posição, foram utilizadas várias estratégias, dos dilemas ideológicos e políticos ao senso de humor refinado e atualizado.

A partir daqui, seriam proveitosas diversas reflexões, voltando um pouco no tempo e se pensando algumas relações de quadrinhos e cinema, associando pontos de vistas dos “entendedores” e suas vivências nas leituras de quadrinhos e dos “calouros” recém-chegados aos universos mitológicos em questão. E isso é coisa que fica para o próximo capítulo!

Originalmente publicado em: http://falacinefilo.com.br/quadrinhos-e-cinema-uma-relacao-carnal