sábado, 17 de setembro de 2011

Quadrinhos, História e Academia


Maratona de Eventos sobre Quadrinhos dentro da Academia

Pode-se dizer que o ano de 2011 provou ser um certo divisor de águas quando o assunto é quadrinhos inseridos nos espaços acadêmicos. O tempo mostrou que grandes pesquisadores de áreas como Letras, Comunicação e Artes se empenharam por anos a fio para que a fonte/objeto quadrinhos adentrasse esse mundo tão rígido.

Essa flexibilidade não foi rápida, podemos encontrar a obra Shazam como um marco, ao apostar seriedade e respeitabilidade com um produto de mercado (evito o termo "massa", por sua fragilidade conceitual) e sua importância cultural no século XX. Depois disso, o produto ganhou destaque em diversos estudos em áreas mais propícias a sua aceitação. Nomes como Waldomiro Wergueiro, Paulo Ramos, Sonia Luyten, sempre estiveram presentes em batalhas dentro dos espaços acadêmicos e geraram uma utilíssima produção textual para os trabalham que estavam por vir.

Timidamente a História, enquanto campo científico, permitiu a introdução limitada desse meio de comunicação, abraçando trabalhos sobre produções mais "históricas", em folhetins e jornais entre os séculos XVIII e XIX. Depois se percebeu o quanto que esse meio poderia fornecer de informações, mas ainda havia uma rusga demasiada que o menosprezava e quando fazia a leitura era em superficialidade. Sem se ater a aprofundações em citações, faço aqui um salto até o ano atual, 2011.

Esforços fundamentaram entre 29 e 31 de julho na cidade universitária da Universidade Federal de Pernambuco, no Centro de Convenções da mesma, o primeiro Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos. Uma iniciativa do Núcleo de Pesquisa Sociedade, Cultura e Comunicação, que tem vínculo com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia, em parceria com o Laboratório da Cidade e do Contemporâneo, Ciências Sociais, além do Núcleo de pesquisa em Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas, o evento contou com várias importantes Participações.

A agradabilissima abertura foi pela sorridente Doutora Sonia Luyten, além de seu tradicional conhecimento sobre a produção de quadrinhos japoneses, dialogou sobre novas formas e elementos culturais. O seguir do evento contou com diversas mesas redondas e trabalhos que prezaram pela qualidade. Faço aqui, então, a ressalva de que foram várias experimentações teóricas e metodológicas em diversas áreas científicas. Obviamente essa conduta apresentou alguns detalhes que poderiam acusar um amadorismo científico, mas na verdade se trata de uma vivência ainda em fase de experimentação de instrumentos e procedimentos comuns a outros objetos.

Os profissionais mais íntimos com esse objeto/fonte, como Waldomiro Wergueiros, Paulo Ramos, Nobu Chinen, Natania Nogueira, entre outros, foram cruciais para representar os esforços dos estudos no espaço temático, são referenciais para os grupos menos experientes que lá puderam por em prática seus conhecimentos. Entre leituras outrora distantes, o evento possibilitou além da amistosidade entre pesquisadores, uma sensação de realidade vivida quando os nomes mais importantes na produção científica no Brasil surgem de carne, osso e sorriso para todos.

Acima de tudo, foi um encontro de pares, de pessoas com afinidades em seus objetos e temas, mas, também, com empenho acadêmico sério e de qualidade. Para muitos, como foi o meu caso, um primeiro encontro com esse universo de "iguais", uma força que alimentou a vontade para o evento seguinte. Mais informações sobre o evento podem ser encontradas na página: http://encontrohq.blogspot.com/ , inclusive com os trabalhos presentes nas mesas redondas e seus respectivos autores.

As Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos foram uma aposta entre professores empenhados, da Escola de Comunicação e Artes, do departamento de letras e, acredito mais, das vontades dos grandes nomes envolvidos. Ocorrido entre os dias 23 e 26 de agosto, na Escola de Comunicação da USP, o evento trouxe atrações internacionais e abarcou uma generosa quantidade de trabalhos em forma de artigos que lotaram as salas. Os trabalhos, as salas e os nomes presentes podem ser vistos em: http://www.jornadasinternacionais.com.br/ onde também se encontram links interessantes. Texto autorizado ao site Quadro a Quadro http://quadro-a-quadro.blog.br/ , feito por mim:

Quadrinhos na seriedade acadêmica

Começo, aqui, nestas linhas, as minhas concepções pessoais do que já acredito ter sido uma experiência acadêmica e pessoal sem igual. Obviamente haverão, no que escrevo, colocações muito pessoais diante de meu já bem estabelecido foco de atenção dentro de minhas produções e reflexões históricas e acredito que mesmo com essa pessoalidade assumida conseguirei entrar em acordos com muitos leitores que estiveram nas Primeiras Jornadas Internacionais de História em Quadrinhos ocorrida entre 23 e 26 de agosto de 2011 na Escola de Comunicação e Artes da USP.

Antes de iniciar minhas colocações, devo primeiro me posicionar enquanto pesquisador e pensar o espaço histórico em que estamos, todos os participantes, expectadores e produtores, inseridos. Não aprofundarei sobre pioneirismos ocorridos no passado, os trabalhos de Sônia Bibe Luyten, Selma Martins, Laura Vazquez, Patrícia Borges, os autores dos textos da antológica SHAZAM ou mesmo os tantos profissionais que escreveram trabalhos referenciais no meio. Pelas poucas conversas, todos os participantes tiveram o contato textual com esse povo pioneiro antes do evento.

Aqui, acredito, se faz necessário entender os pormenores que permitiram a empreitada não menos batalhada. A atualidade assistiu o preconceito aos quadrinhos dar lugar ao fascínio mesmo não admitido. A academia está curiosa, em parte por que grandes profissionais, como são os organizadores do evento, que tanto lutaram para romper essas barreiras temáticas no ringue da Comunicação, mas que gerou grandes batalhas em outros tabuleiros.

Talvez o cinema tenha sua parcela de culpa, alcançando um status que perfurou a muralha de preconceito, mesmo que no espaço do entretenimento. O mercado logo percebeu que livros com o tema, fundamentalmente acadêmicos e científicos, seriam logo bem recebidos pelo público. O que antes era uma tendência íntima de seus consumidores, logo tornou-se uma coqueluche “cult” não só respeitada como desejada. Nós, quadrinhistas e quadrinhófilos, nos tornamos rapidamente celebridades. O universo dos quadrinhos (assim como outras tendências antes restritas, como RPG, jogos eletrônicos, etc) logo tornou-se uma mitologia curiosa para acadêmicos e o público em geral.

O começo, para mim, se deu no evento de Recife. No primeiro Encontro Nacional de Estudos sobre Quadrinhos, ocorrido na UFPE em julho, experimentei essa troca de informações e contatos. Vi, de carne e osso, que existem pessoas que, como eu, refletem sobre os quadrinhos que tantos entretém. Um ensaio do que seria esperado na USP, uma saída, no meu caso, dos espaços estranhados dos eventos de História e seus olhares desconfiados aos meus escritos em todos esses anos.

Movimentados, alegremente, os corredores do segundo andar do prédio principal da ECA comportaram por 3 dias uma generosa quantidade de trabalhos vindos de várias partes do país e além. Diversas mesas aglomeraram médias de 4 comunicações de artigos produzidos por diversos profissionais, de diversas áreas, sobre diversas perspectivas. Talvez alguns ainda estejam ponderando sobre essa pluralidade e diversidade. Uma amplitude permitida pela interdisciplinaridade do objeto ou fonte “quadrinhos”.

Temas interessantes se espalhavam de tal forma que causavam titubeios na hora de escolher em que sala entrar e o que assistir. Em diálogos rápidos com vários participantes, dei-me conta de que não era uma tarefa fácil e que muitas vezes exigiu o sacrifício de deixar passar uma apresentação para caçar, nas salas, alguma de interesse pessoal. Eu mesmo marquei a programação com lápis circulando as apresentações de meu interesse, entre choques de horários e escolhas, pude assistir muitas, de amigos, colegas e com temas interessantíssimos.

História, literatura, educação, artes, tudo se entrelaçou em trabalhos e contemplaram nos fins dos dias com mesas redondas sortidas e bem compostas. Mais uma vez pude ver a tranqüilidade sorridente de Sônia Bibe Luyten em sua árdua tarefa de nos acalmar diante do novo. Mesmo dentro de seu espaço, não deixou de transparecer o fascínio pelo novo que tanto desponta nos meios de consumo dos quadrinhos, especialmente pelas inovações técnicas e o uso da Internet.

Juan Sasturain e Laura Vazquez expuseram um mundo conhecido por alguns e nem por isso menos interessante, já que se tratava de uma visão de seus mais próximos. Universos culturais distintos, mesmo que próximos, fizeram a reflexão aprofundar-se sobre mercado e consumo de maneira mais íntima, observando suas vivências. Logo trabalhos como o de Pablo Turnês, Laura Cristina Fernandez e Sebastian Gago ajudaram a encurtar os laços e até mesmo a abafar uma solidão continental já fraquejada desde o primeiro dia.

O leitor, então, deve sentir um certo desestímulo em citações de nomes e elogios, uma talvez rasgação de seda no que escrevo. Não há como escapar de uma felicidade confessa de encontrar pessoas e trabalhos de respeito e qualidade. É um belo “caminho do meio”, onde continuo meus esforços em saber das qualidades dos meus escritos e no quanto que ainda preciso amadurecer ao ver trabalhos mais elaborados e precisos. Se havia alguma impureza de dúvida sobre essa batalha de estudar e produzir pesquisa sobre quadrinhos no meu espaço, caiu por terra.

Obviamente não vi todos os trabalhos, por mais que provavelmente eu venha a sair em boa parte das fotos, já que pulei de sala em sala durante os dias do evento e seus horários. O professor Denis (que ficou famoso pela audaciosa performance fotográfica) flagrou essa maratona seletiva. Minha seleção começou com os temas que mais me interessaram e seguiu para apresentações imperdíveis pelas relações pessoais que venho produzindo com colegas e amigos, como foram os casos de Adalton Santos da Silva, Gêisa Fernandes, Fábio Tavares, Erivan Coqueiro e Aline de Castro Lemos. Tendo perdido com pesar as apresentações de João Senna, Lucas de Souza Medeiros, Thiago Monteiro Bernardo e Márcio dos Santos Rodrigues.

Pude discutir assuntos diversos que envolvem a produção plural dos quadrinhos nas diversas configurações culturais e sociais que foram debruçadas em artigos sobre fumetti, comics, manga, etc. De análises de discursos, seus avanços e limitações, das concepções psicanalistas e de Representação social, dos estudos de linguagens aos diálogos entre campos científicos. Pude, por exemplo, dialogar minhas reflexões no meu artigo sobre cidades fictícias com o trabalho de Soraya Mattos e seu estudo sobre estilos arquitetônicos.

Perguntado por uma pesquisadora que produzia um trabalho de conclusão de curso sobre as tiras rápidas e a Internet do que pude tirar de conclusão do evento, respondi sem pestanejar do quanto que o encontro é fundamental para a troca de conhecimentos e impulso para adentrar ainda mais nessa empreitada acadêmica ainda rica de informações aos diversos campos científicos. Gêisa mesmo semeou um ponderar sobre construções de teorias e métodos próprios para o objeto e fonte em questão.

E o fim de cada dia não deixava espaço para o cansaço, já que boa parte dos participantes estavam interessadíssimos às atrações nas mesas redondas. Além de Sônia, Selma Martins, Juan e Laura no dia 24, outros autores foram prestigiados. Educação e Pesquisa foram destaques no dia 25, com Héctor Fernandez, Eduardo Calil, Elydio dos Santos e Márcia Mendonça. E o dia 26 encerrou-se com risos e aplausos contentes, quase num alívio de findar, mas deixando uma boa sensação de missão cumprida, com as falas dos autores de Shazam.

Entre diversos discursos sobre objetos numerosos, campos científicos variados e uma pluralidade de leituras, estão os tantos amigos feitos, pessoas reencontradas e planos gerados. Como serão os próximos eventos correspondentes não temos como supor, mas uma coisa é certeza: os esforços serão sempre a altura do menosprezo que as academias ainda manifestam aos quadrinhos como objeto e fonte de pesquisa para leitura de nossa realidade recente. Mas a luta continua.

Sávio Queiroz Lima

Historiador



P.S.: Faço meu pedido de desculpas aos amigos e colegas não citados. Ainda estou me recuperando dessa maratona... então as forças me limitaram a memória...

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