Pesquisador afirma que o personagem foi mais crítico do que incentivador do governo norte-americano nos quadrinhos
Apesar de ganhar proporções internacionais com o lançamento do filme
"Capitão América: O Primeiro Vingador",
a fama de representar o imperialismo norte-americano sempre esteve
associada ao herói, cujo uniforme e nome não deixam dúvidas sobre a sua
origem.
O título do longa causou incômodo em alguns países, como Coréia do
Sul e China. Na Rússia, a produção estreia apenas como "O Primeiro
Vingador".
Foto: Divulgação
Capitão América: nos quadrinhos personagem foi um dos mais críticos ao governo dos Estados Unidos
Nos quadrinhos, Steve Rogers (nome real do herói) provou
diversas vezes ser mais crítico ao governo de seu país do que o garoto
propaganda criado em 1941, que durante a
Segunda Guerra Mundial
simbolizou a luta dos Estados Unidos contra o nazismo. E isso tem início
ainda nos anos 1940, com o término do conflito que justificou a criação
do herói.
"A criação do Capitão América foi uma esperteza de mercado da editora
[Timely Comics]. No período, o governo dos EUA incentivou, com
descontos em impostos, quem fizesse propaganda ideológica
norte-americana", explica o
quadrinista e historiador Sávio Queiroz
Lima, que pesquisa HQs e suas relações com a história.
Foto: Divulgação

O herói contra os nazistas: inimigos fáceis de odiar
Com o
fim da Segunda Guerra, os executivos da Timely Comics decidiram
suspender as histórias do Capitão América. O personagem retornaria vinte
anos mais tarde, quando a editora já era conhecida como Marvel Comics.
Em sua "ressurreição", o herói é encontrado congelado e passa a integrar
Os Vingadores, equipe formada por nomes como Homem de Ferro e Thor.
Durante a
Guerra Fria, o personagem passou a refletir sobre a
dificuldade de lidar com mocinhos e bandidos. "Era fácil odiar o
nazista, pois ele era um inimigo muito romântico, um cara mau,
burocrático. Mas quando ele volta nos anos 1960, descobre que odiar o
comunista não tem a mesma facilidade. E o ambiente nos EUA também muda
nesse período", afirma Sávio.
Nos anos 1970, desanimado com
os escândalos envolvendo o presidente
Richard Nixon [o político renunciou ao cargo], Steve Rogers abandonou o
uniforme de Capitão América e adotou a identidade de Nômade, herói
viajante que testemunhou as mazelas do país em viagens por seu interior.
"O Capitão oscila entre dois universos: a política interna e a
externa. Na externa, ele se posiciona como norte-americano, como ocorreu
na Segunda Guerra. Mas nos anos 1970 e 1980, ele volta-se à política
interna, e critica o próprio Estados Unidos."
De volta ao uniforme tradicional azul, o personagem mergulhou no
cotidiano dos guetos de Nova York ao lado do herói negro Falcão - e
testemunhou uma América pobre, violenta.
Para Sávio, o período revela a liberdade que os autores tinham dentro
da editora para criticar o governo do país. "O herói ganha uma visão
mais intimista e passa a questionar os EUA. E ao representar o ideal do
homem comum norte-americano, ele passa a vender fácil, pois o público
quer alguém que critique o governo."
Pós-11 de Setembro
Em 2001, após a
queda das Torres Gêmeas, o Capitão América aparece em
algumas histórias enfrentando terroristas. Esse período foi conhecido
como Guerra ao Terror. Porém, seus autores evitaram a questão religiosa,
não colocando o personagem em luta contra muçulmanos.
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Cena em que o Capitão América morre nas HQs
Mais sobre o Capitão América:
"Ele enfrenta terroristas do Oriente Médio, sim, mas com discurso de
enfrentar o terror, não o islamismo. Nesse momento, ele se aproxima da
propaganda ideológica. Mas a editora nega utilizá-lo no território árabe
enfrentando árabes. Ele está sempre em solo americano", diz Sávio.
No final dos anos 2000, surge o arco de histórias conhecido como
"
Guerra Civil", em que os personagens da Marvel se dividem em dois
grupos: o contra e o a favor do registro obrigatório de heróis nos
Estados Unidos. E para surpresa de alguns, o líder dos opositores é o
Capitão América.
"Existe um momento em que ele prevê que o governo vai dizer para os
heróis quem são os vilões. E para ele isso vai contra o altruísmo dos
heróis."
Depois da saga, Steve Rogers morre baleado e é substituído por Bucky,
seu antigo parceiro que, ao contrário de seu mentor, age de forma mais
violenta e agressiva. A mudança traz críticas aos editores - os fãs
pedem o retorno de Steve Rogers ao uniforme de Capitão América.
Sobre a postura da Marvel diante da adaptação aos cinemas de um
personagem tão emblemático, Sávio afirma: "Qualquer produto americano
vende a ideia do que é ser norte-americano, mas como o mercado está
ficando plural, o que as empresas fazem com os seus produtos é torná-los
mundiais".
Originalmente publicado em: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/capitao+america+um+heroi+menos+imperialista+do+que+parece/n1597105942384.html