sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Capitão América: um herói menos imperialista do que parece

Pesquisador afirma que o personagem foi mais crítico do que incentivador do governo norte-americano nos quadrinhos

Apesar de ganhar proporções internacionais com o lançamento do filme "Capitão América: O Primeiro Vingador", a fama de representar o imperialismo norte-americano sempre esteve associada ao herói, cujo uniforme e nome não deixam dúvidas sobre a sua origem.
O título do longa causou incômodo em alguns países, como Coréia do Sul e China. Na Rússia, a produção estreia apenas como "O Primeiro Vingador".


Foto: Divulgação
Capitão América: nos quadrinhos personagem foi um dos mais críticos ao governo dos Estados Unidos
Nos quadrinhos, Steve Rogers (nome real do herói) provou diversas vezes ser mais crítico ao governo de seu país do que o garoto propaganda criado em 1941, que durante a Segunda Guerra Mundial simbolizou a luta dos Estados Unidos contra o nazismo. E isso tem início ainda nos anos 1940, com o término do conflito que justificou a criação do herói.
"A criação do Capitão América foi uma esperteza de mercado da editora [Timely Comics]. No período, o governo dos EUA incentivou, com descontos em impostos, quem fizesse propaganda ideológica norte-americana", explica o quadrinista e historiador Sávio Queiroz Lima, que pesquisa HQs e suas relações com a história.

Com o fim da Segunda Guerra, os executivos da Timely Comics decidiram suspender as histórias do Capitão América. O personagem retornaria vinte anos mais tarde, quando a editora já era conhecida como Marvel Comics. Em sua "ressurreição", o herói é encontrado congelado e passa a integrar Os Vingadores, equipe formada por nomes como Homem de Ferro e Thor.
Durante a Guerra Fria, o personagem passou a refletir sobre a dificuldade de lidar com mocinhos e bandidos. "Era fácil odiar o nazista, pois ele era um inimigo muito romântico, um cara mau, burocrático. Mas quando ele volta nos anos 1960, descobre que odiar o comunista não tem a mesma facilidade. E o ambiente nos EUA também muda nesse período", afirma Sávio.
Nos anos 1970, desanimado com os escândalos envolvendo o presidente Richard Nixon [o político renunciou ao cargo], Steve Rogers abandonou o uniforme de Capitão América e adotou a identidade de Nômade, herói viajante que testemunhou as mazelas do país em viagens por seu interior.
"O Capitão oscila entre dois universos: a política interna e a externa. Na externa, ele se posiciona como norte-americano, como ocorreu na Segunda Guerra. Mas nos anos 1970 e 1980, ele volta-se à política interna, e critica o próprio Estados Unidos."
De volta ao uniforme tradicional azul, o personagem mergulhou no cotidiano dos guetos de Nova York ao lado do herói negro Falcão - e testemunhou uma América pobre, violenta.
Para Sávio, o período revela a liberdade que os autores tinham dentro da editora para criticar o governo do país. "O herói ganha uma visão mais intimista e passa a questionar os EUA. E ao representar o ideal do homem comum norte-americano, ele passa a vender fácil, pois o público quer alguém que critique o governo."
Pós-11 de Setembro
Em 2001, após a queda das Torres Gêmeas, o Capitão América aparece em algumas histórias enfrentando terroristas. Esse período foi conhecido como Guerra ao Terror. Porém, seus autores evitaram a questão religiosa, não colocando o personagem em luta contra muçulmanos.


Foto: Divulgação
Cena em que o Capitão América morre nas HQs
"Ele enfrenta terroristas do Oriente Médio, sim, mas com discurso de enfrentar o terror, não o islamismo. Nesse momento, ele se aproxima da propaganda ideológica. Mas a editora nega utilizá-lo no território árabe enfrentando árabes. Ele está sempre em solo americano", diz Sávio.
No final dos anos 2000, surge o arco de histórias conhecido como "Guerra Civil", em que os personagens da Marvel se dividem em dois grupos: o contra e o a favor do registro obrigatório de heróis nos Estados Unidos. E para surpresa de alguns, o líder dos opositores é o Capitão América.
"Existe um momento em que ele prevê que o governo vai dizer para os heróis quem são os vilões. E para ele isso vai contra o altruísmo dos heróis."
Depois da saga, Steve Rogers morre baleado e é substituído por Bucky, seu antigo parceiro que, ao contrário de seu mentor, age de forma mais violenta e agressiva. A mudança traz críticas aos editores - os fãs pedem o retorno de Steve Rogers ao uniforme de Capitão América.
Sobre a postura da Marvel diante da adaptação aos cinemas de um personagem tão emblemático, Sávio afirma: "Qualquer produto americano vende a ideia do que é ser norte-americano, mas como o mercado está ficando plural, o que as empresas fazem com os seus produtos é torná-los mundiais".


Originalmente publicado em: http://ultimosegundo.ig.com.br/cultura/capitao+america+um+heroi+menos+imperialista+do+que+parece/n1597105942384.html

 

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