sábado, 18 de agosto de 2012

Cavaleiro das TELAS - Parte 2: A Fonte do Morcego


A Fonte do Morcego
Por Savio Roz



A construção do roteiro de um filme que tem os quadrinhos como base original de pesquisa e apropriação de elementos é sempre complicada em sua definição. Assim como ocorre com o uso de obra literária transposta ao cinema, questões de fidelidade não apenas estão presentes na apresentação de cenas e personagens, como também num pretendido “clima”.

A fidelidade na transição do suporte textual para o suporte cinematográfico busca nas caracterizações de cenários, elementos singulares, personagens e seus trejeitos, as informações a serem adequadamente apropriadas e aplicadas. O público, seja aquele consumidor apreciador da obra original (ou fonte original) ou mesmo o mais despretensioso possível, quer, a tudo custo, ver nas telas o que a obra textual buscou passar.

Ainda que se possa transportar sem muitas interferências elementos de uma mídia a outra, a linguagem narrativa cinematográfica tem suas regras, suas normas, seus limites. Assim como também possuem normatizações e espaços limítrofes as mídias textuais e gráficas dos livros e quadrinhos.

Esse apelo discursivo da fidelidade se apóia no discurso público, bem difundido, de uma “essência”, como se o imaginário coletivo pudesse balizar um conjunto de características que determinassem um discurso. Esse Batman essencial, ou qualquer que seja o personagem, está sempre no discurso referente à fidelidade.

Mas o cinema panfletou sempre essa fidelidade oscilante, apresentando para cada momento um Batman singular, profundamente encontrado em fontes de quadrinhos, mas longe de ser fixo ou ter rigidez em sua estrutura. Essa variação cultural do produto Batman adequadamente entendida como um novo Zeitgeist, ou seja, o “espírito de uma época”, gerou diversas e plurais identidades do homem-morcego.

Na reformulação da franquia na nova década, o diretor de Insomnia, Christopher Nolan, buscou a maturidade de enredo na idéia de realidade. Seu objetivo era tornar um super-herói não apenas plausível como, também, realista. Em vez de somente atualizar os elementos alegóricos, transportou a construção do personagem a uma realidade reconhecível pelo público.

A pesquisa com as fontes foi fundamental na elaboração do roteiro por David S. Goyer. Foram apresentadas histórias mais recentes e realistas do personagem, sendo algumas selecionadas como fonte de inspiração. Dessa forma, nenhuma publicação foi apropriada na íntegra no roteiro final. E era preciso, antes de tudo, que o roteiro tivesse sua inovação além do estético, o que acabou pesando sobre a origem até então não explorada do Batman.

A morte dos pais é um eco densamente repetido, sua justificativa maior, mas nenhum dos filmes havia, até então, aproveitado para contar sua trajetória para se tornar o Batman. Três elementos estão fortemente presentes nos dois filmes produzidos e não faltarão no terceiro: humanidade, medo e símbolo. A História-Origem apropriada no filma fundamenta-se em passagens de quadrinhos entre o final dos anos 70 e boa parte dos anos 80 e 90.

Mas, assumidamente pelo roteirista David S. Goyer e o diretor Christopher Nolan, três obras foram fundamentais na densidade da criação do novo universo cinematográfico: A fase dos quadrinhos produzida por Dannis O`Neil e Neal Adams, O Longo Dia das Bruxas e Batman: Ano Um. Todas condizentes ao personagem no mais recente Zeitgeist.

Depois de trabalharem com sucesso com o Lanterna Verde e o Arqueiro Verde na primeira metade dos anos 70, Dennis O`Neil e Neal Adams foram liderados por Julius Schwartz para as revistas do Batman, na Dc Comics. Nessa empreitada não apenas focaram o período do passado do Bruce Wayne para se tornar o Batman como lançaram um significante vilão: Ra´s Al Ghul. Em 1989, Dennis O´Neil, com parceria de Dick Giordano, escreveu a história The man Who falls, sobre o passado do Batman, que motivaram a condução de Christopher Nolan para o filme Batman Begins.

O realismo em Batman não foi uma inovação do cinema, pois Nolan encontrou o clima verossímil tanto de uma Gotham City quanto de seus personagens principais na emblemática obra Batman: Ano Um. Escrita por Frank Miller e desenhada por David Mazzucchelli em 1987 e fez parte do plano de renovação do produto pela editora Dc Comics. As vivências maduras dos personagens, seja o então tenente Gordon ou no nascimento da persona Batman na construção de um símbolo, moldaram um universo facilmente reconhecível com o universo real.

Para enriquecer esse cenário citadino em volta da figura centralizada do Batman a mini-série O Longo Dia das Bruxas, com texto de Jeph Loeb e desenhos de Tim Sale, entre 1996 e 1997, ofertou uma rede criminosa factível à realidade social contemporânea, inclusive com a corrupção como elemento fundador dessa realidade social criminosa. Boa parte do enredo do filme, ainda que não tenha transcorrido com fidelidade narrativa ao quadrinho, absorveu dessa história para se fundamentar.

Parte importante do sucesso da nova franquia, sua pretendida e aplicada realidade reconhecível e mesmo seu clima geral, que muito agradaram a crítica e a aceitação do público, vieram de um período renovado nas histórias do Batman. Foi esse Batman do final dos anos 70 e densamente construído nos anos 80 que foi apropriado e convocado ao cinema. Objetivos próprios para cada mídia da Indústria Cultural, no caso Quadrinhos e Cinema, justificam esse possível atraso entre a atualização feita no periódico físico e na produção áudio visual.

Para o leitor de quadrinhos habitual, os filmes são, então, a melhor vivência do Homem-Morcego nos cinemas, sua atual glória. Para o público distante da mídia quadrinhos, o filme é bom por utilizar um enredo construído num realismo, como um bom filme policial, com suspense e drama, com a peculiaridade de ter um super-herói presente na narrativa.

LEIA TAMBÉM:
Especial Batman | parte 1
https://www.facebook.com/notes/saladaculturalcombr/especial-batman-parte-1/390454561018269

SAVIO ROZ pesquisa e escreve sobre super-heróis e suas relações com a realidade social na contemporaneidade.  Atualmente busca em experimentos químicos, energias radioativas ou mesmo no planejamento real de combate ao mau uma maneira de apresentar seus trabalhos em eventos acadêmicos. https://www.facebook.com/savio.roz

(também publicado em https://www.facebook.com/notes/saladaculturalcombr/especial-batman-parte-2/400319666698425 )


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