sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Kalaripayit




Compreendendo a dimensão estrutural das artes marciais e suas relações com a história humana, nos reportamos à Índia, onde, segundo alguns estudiosos, existe o mais antigo sistema de luta da história. É preciso lembrar que, as técnicas nascidas das chamadas “lutas de agarrar”, onde não se define um sistema complexo, mas umas séries de elementos significativas no combate desarmadas entre indivíduos, são ainda mais antigas, perdendo-se na pré-história humana. O Kalaripayit destaca-se pela conjunção de fatores que o classificam como sistema de luta, e não conjunto de técnicas de combate homem a homem.
Textos indianos antigos já relatavam esse primitivo sistema no exército indiano, seja na infantaria, na cavalaria, em carruagens e no domínio e controle de elefantes. A própria divisão social da Índia, milenar, demonstra a especialização de uma de suas castas para a vida bélica. A casta Kshântriyas, desde a pré-história, relaciona a vida social e religiosa às práticas marciais. A vida artística, também milenar, da Índia, apresenta a relação desse povo, principalmente dessa casta, com a guerra e o sistema de luta. O teatro dançado, chamado Kathânkali, apresenta movimentos elaborados respectivos de um estudo minucioso de técnicas de lutas, também refletidas nas ornamentações de templos onde aparecem figuras humanas em combate.
Como se perceberá ao longo dos estudos sobre artes marciais, os mestre dos sistemas de luta são, em geral, também grandes conhecedores da medicina. Por trabalharem diariamente em seus treinos com lesões, torções e danos ao corpo, acabam relacionando-se com um conhecimento de cuidados e tratamentos específicos e avançados. Assim, na percepção das origens da Medicina Indiana tradicional, chamada Ayuveda, encontraremos as relações dos sistemas de luta presentes. Do mesmo modo, o conhecimento em cima das técnicas de massagens, são necessários e aplicados em academias marciais. Hematomas, estiramentos musculares, danos em centros nervosos e ossos fraturados são rotinas em academias diversas de todos os sistemas de lutas da humanidade. O mestre torna-se um especialista em medicina, os Shastras, textos indianos antigos, apresentam tal conhecimento do corpo humano, seus pontos vitais. Locais onde se poderão aplicar golpes específicos para a eficácia de danos melhores, como a têmpora, o osso esterno, a veia jugular, testículos, entre outros. Esse estudo do corpo, na índia, não se limitou ao corpo humano, fazendo os adestradores de elefantes ainda mais eficazes no treinamento de tais animais para uso em combates.
O Kalaripayit é o nome indiano do seu mais antigo sistema de luta. Significa, grosso modo, “prática em campo de batalha”, e tem suas raízes na tumultuosa vida bélica da Índia em seus primórdios. Textos antigos, como o Mahabaratha, apresentam guerras intermináveis. O espaço ideal para criação e adaptação de um sistema de luta complexo e poderoso. Uma casta especializada é um forte elemento na construção de um sistema vigoroso de luta, e essa tendência se repetirá ao longo da história dos sistemas de luta asiáticos. O Kalaripayit também terá sua evolução galgada na pluralidade interna de seu sistema, dividindo-se em estilos. Esses estilos não se ofendem ou se negam, apenas apresentam elementos diferenciados para cada região: Norte e Sul. Da mesma forma como ocorrerá em outros sistemas de luta, talvez por uma questão de contato entre os povos asiáticos e a troca cultural, essas divisões de sistemas atenderão posturas e movimentos tratados de maneiras diferentes dentro de um mesmo sistema de luta. No Kalaripayit, o Norte apresentará saltos mais vigorosos, posturas baixas e bloqueios estendidos; o Sul será mais livre, com movimentos circulares, posturas altas e sólidas.
O sistema de luta indiano conviverá com outras artes do conhecimento humano na índia, e se manterá da mesma forma. Sua continuidade, preservação e evolução (preservação de valores e conceitos, evolução de técnicas e movimentos), assim como acontece na Yoga, nas técnicas de massagens indianas, se fundamentará na transmissão oral. O conhecimento através da oralidade tornou-se uma tradição no modo de vida asiático, presente em grande força nos sistemas de luta. A necessidade de um mestre, conhecedor dos ensinamentos, permitia o fortalecimento desse modo de preservação do conhecimento.




Sávio Roz

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